A mídia significa um conglomerado de meios de comunicação, mas também um imbricado de linguagens gerando, por parte de cada meio – jornal, revista, rádio, TVs, portais, blogs, posts na internet – uma guerra retórica cujo objetivo e recriar a vida ‘real’ e desnudar o intelecto humano.
Estar na mídia é também uma forma teleológica, pois os produtores de informação desejam que se siga a fala concomitante às ações. Por isto, há briga rasa pelos púlpitos de audiência.
Não estar na mídia é sinônimo de inexistência ‘cognitiva’, ser desvalorizado pelo fluxo histórico recriado pela factual – morrer sem saber quem disse o quê a quem e por quê.
De certa forma, a mídia como fábrica de consumo e gozo oferece Soteriologia aos humanos – uma doutrina da salvação através de suas narrativas: telejornais, telenovelas, shows, transmissões esportivas, programas políticos.
As mídias tradicionais (ou mídias mcluhanianas): rádio, jornal, revista e TVs – encarnaram uma razão instrumental baseada no sistema perito da modernidade. Assim, se acreditou que era possível – através do desenvolvimento técnico – atingir um estágio de Paz universal – sem guerras, violência, mutilações dos sonhos humanos.
Durante séculos, o filósofo Kant, através de sua Crítica da Razão Pura, advogou que a liberdade e a justiça fossem iguais para todos, que as democracias ocidentais – politicamente racionais – apagariam as marcas da barbárie humana; sendo possível uma Paz universal. Os racionalistas, sobretudo os franceses, acreditaram piamente na razão instrumental.
Mas tudo desmoronou racionalmente quando a racionalidade instrumental se tornou mais frágil que a história. Dois fatos ratificam a queda das certezas racionais: 1) a eleição em 30 de janeiro de 1933 de Hitler – eleito pelo voto direto- como chanceler da Alemanha; 2) a eleição de Jair Messias Bolsonaro – anos 2000 – para Presidente da República do Brasil, através de uma estratégia midiática até então a mais avassalador em termos de campanha política no Brasil.
Tanto Hitler quanto Bolsonaro tiveram partes de suas campanhas impulsionadas pela linguagem midiática – que transforma a Crítica da Razão Pura de Kant em espectros televisuais ou propagandísticos que não ajudam o homem-midiático a pensar.
A produção midiática nos países ocidentais é uma extensão – com raríssimas exceções – das indústrias de entretenimento e de produção de bens duráveis de consumo. Portanto, se fazem raras – mesmo nas colunas do ‘jornalismo político’- que haja interpretação desses fenômenos sociopolíticos.
Depois do domínio da filosofia kantiana na França, Alexandre Kojève (1902/1968), um professor russo – introduziu os estudos sobre a Fenomenologia do Espírito de Hegel – o que deu um certo conforto aos teóricos que acreditavam nas certezas impostas pela razão instrumental de um mundo melhor e pacífico através do desenvolvimento técnico.
Mas o que podemos fazer hoje com a Fenomenologia e em que sentindo ela pode nos ajudar na interpretação de fenômenos midiáticos? Isto Kojève procurou ensinar a cientista famosos como Lacan, RaymondRon, Breton, Merlea-Ponty em seus seminários na École des Hautes Études de Paris, todas as segundas-feiras, às 17h 30min, de setembro de 1933 a maio de 1939
A Fenomenologia é a ciência que estudo os fenômenos. Antes de nomear os fenômenos, ela se preocupa com a forma como eles apareceram e como são mantidos no imaginário das pessoas.
O discurso midiático é antifenomenológico, porque a primeira coisa que faz é anunciar um fenômeno de acordo com a rubrica conveniente: violência, política, economia.
Na mídia, não há – geralmente – a busca de métodos interpretativos dos fenômenos, pois o importante é classificar os atos políticos – por exemplo – de acordo com a manutenção do Estado.
O exercício antifenomenológico no jornalismo informativo começa na pauta – na busca de uma angulação que melhor se adéqua às características editoriais e comercias da empresa jornalística.
“A história é a história dos desejos desejados”, assinala Kojève em sua Introdução à Fenomenologia de Hegel.
A assertiva de Kojève une dos meios de produção de desejos: a mídia e a política.
No campo midiático, os desejos são oferecidos de forma múltipla; na política, a luta de vida e morte por prestígio, poder – muitas vezes alimentado pelo desejo de vingança.
Para Kojève, há aqueles que lutam pelo prestígio sem escrúpulos – que encarnam a ‘iluminação dos reis filósofos’; mas os que lutam e temem – oriundos do temor histórico dos escravos – na síntese hegeliana entre o Senhor e o Escravo.
Hoje, a mídia é quem realiza a síntese histórica entre o Senhor e o Escrevo – através da sociedade de consumo – pois os burgueses não temem mais a guilhotina, e o povo sabe que não é mais capaz de restaurar a existência negada.
A leitura fenomenológica dos fatos sociais, a partir da filosofia de Hegel ou Husserl (mesmo Heidegger) nos ajuda a entender que todo fato nomeado pela mídia, em geral, tem base no totalitarismo políticos que exclui os economicamente mais pobres.
Ao transformar a corrupção de Estado em mero espetáculo, a mídia nega a possibilidade de entender por que este fenômeno grassa regimes democráticos e autoritários e se renovam constantemente.
Como não há exercícios de interpretação fenomenológica de como surgem a violência e a corrupção praticada no seio do Estado, a mídia se torna antifenomenológica, procurando realizar uma falsa síntese histórica das lutas entre senhores e escravos através do modus operandi da sociedade de consumo.