A ética é uma ciência prática. Ela é o exercício de pôr em movimento as conexões que se faz no espaço social.
Hoje, sabemos, ao contrário de Platão, que o mundo subjacente, existente por trás da realidade, é uma forma metafísica que pode ser alterada constantemente por nossos discursos, mas aprendemos também com Aristóteles: a compreensão do mundo passa por nossos sentidos.
Mas em época de pandemia de Covid-19 que assola vidas no mundo inteiro com que tipo de realidades estamos convivendo? E como a ética pode ajudar a nos proteger diante dos malefícios desses ‘mundos reais’?
Neste momento, vivemos um modelo de ‘distanciamento social’ conhecido em outros períodos de pestes que massacraram civilizações e ameaçaram a humanidade de extinção. Agora, no sentido ético, além da pressão do Estado, da religião contamos com um êthos (modos) midiático, o que torna mais difícil a compreensão do mundo da vida (cotidiano).
Embora haja em relação à mídia uma contradição histórica: estamos vivendo uma comunicação de massa sem massa na sociedade pós-moderna, temos que cumprir alguma princípios éticos sobre nossas ações no mundo digital.
Neste ‘novo quase normal’ a nossa preocupação ética não é mais com as formas que indicam realidades subjacentes, como indicava Platão em sua Ética, mas garantir a perenidade e clareza do que se diz ao outro em nossa comunicação diária.
No distanciamento entre pessoas imposto pelo Coronavírus, a mobilidade – a energia entre os corpos deixa de ser distribuída facilmente, mas passa a haver uma produção de fluxos criativos de ordem comunicacional nas redes sociais, o que garante a comunicação de massa sem massa em diversos formatos e linguagens.
É justamente na manutenção desta comunicação de massa sem massa que o papel da ética se torna preponderante, mesmo que a esfera pública agora não tenha sequer margem e o seu núcleo seja móvel.
A nova ordem ética, herdeira de Platão, Aristóteles e tantos outros contemporâneos como Habermas, exige que a vida seja uma construção permanente, no qual o estar-vivo é o valor supremo. Por isso, podemos voltar as nossas ideias de sobrevivência no período da pandemia a duas éticas: 1) a ética de Aristóteles; 2) a ética de Spinoza.
A ética de Aristóteles – no momento de pandemia – serve para, na confrontação com os discursos das religiões, Estado e mídia possamos garantir a nossa luta pela busca da ‘Eudaimonia’, felicidade, solidariedade – condição por vezes altruísta, mas que nos coloca no plano da divindade humana durante o distanciamento social.
No tocante à Ética de Spinoza – principalmente em relação ao terceiro capítulo que se refere aos afetos – devemos usar seus preceitos para entender como somos afetados pelo mundo e afetamos o mundo, a partir das seguintes atitudes: 1) desrespeitar as barreiras sanitárias;2) não usar máscara contra o Coronavírus em espaços públicos;3) desrespeitar orientações médicas;4) não cumprir o distanciamento necessário entre pessoas na obtenção de serviços; 5) não divulgar informações falsas que não representam melhorias para a crise sanitária.
Mas o principal exercício ético em tempos de pandemia contra os discursos verticalizados dos poderes – estatais, religiosos, midiáticos, é exercer a alegria em reconhecer as alteridades, nos espaços físico e virtual, neste período de comunicação de massa sem massa.