TOCA DO LEÃO

Mercado informal e burocracia corrupta ligam filmes homônimos

Arte: Sérgio Ricardo/DiarioPB

O filme brasileiro “O homem mau dorme bem”, de Geraldo Moraes, e “Homem mau dorme bem”, do japonês Akira Kurosawa, têm algo em comum além dos títulos. A obra do brasileiro foi produzida em 2009, financiado pelo Programa Petrobrás Cultural, no recente passado onde o governo central não tinha ainda essa sanha de destruir a produção de arte e cultura no país. Em um posto de gasolina perdido numa estradinha extraviada nos confins do Maro Grosso, três personagens se encontram: “Rita, a dona do posto; Wesley, um rapaz que vende CDs de origem duvidosa; e Caburé, um homem que não dorme há cinco anos à espera de resgatar um passado de vida e morte. Sem saber, eles têm em comum um passado cuja revelação mudará suas vidas para sempre”, conforme anuncia a sinopse.

Em 1960, o diretor japonês Akira Kurosawa filmou “Homem mau dorme bem”, cujo roteiro falava de corrupção no meio das grandes empresas e setores públicos, escancarando as falhas da justiça no Japão. Uma espécie de “Lava Jato” oriental com pitadas de tragédia particular. Um homem procurando vingança para seu pai, assassinado por ordem dos dirigentes da empresa imobiliária metida em fraudes.

No posto de gasolina do filme de Geraldo Moraes, passa o caminhão levando o “progresso”, o Fiat Uno carregando o operário, o carrão do dono da grande empresa, a Kombi do “alternativo” e a motoquinha do cara que ficou à margem da concentração de renda e vive de bicos. É uma representação do mundo capitalista terceiro-mundista, entremeado com dramas pessoais.

Não vi ainda o filme do japonês. Li o argumento. No longa brasileiro atua o paraibano Luiz Carlos Vasconcelos, filho de Umbuzeiro, conterrâneo do jornalista e genial embusteiro Assis Chateaubriand, paraibano “Rei do Brasil”. Dominou a comunicação, influenciou o poder, foi o bambambam do país. Virou ícone, simbolizou uma época iniciante do poder da comunicação de massa. Inventou a televisão brasileira e foi modelo para o poder dos Marinho da Globo. Comunicação e controle, predomínio e dominação através da mídia. Uma cidadezinha no Paraná recebeu o nome de Assis Chateaubriand em 1966. Antes, o município foi batizado de Tupãssi.

Uma coisa liga à outra. No filme de Geraldo Moras, o vendedor de CD pirata, representa a economia informal, o cara independente, aquele “empreendedor” alternativo que só se ferra. Quero declarar solenemente que sou a favor da pirataria. Esse furto desqualificado é forte por causa do alto preço do produto em lojas. Pessoas de baixa renda que não comprarem o produto pirata não vão comprar o produto original. A música é um valor cultural que pertence à humanidade, mas hoje é alvo de negócio mais do que suspeito das grandes corporações fonográficas. Nunca alguém viu as planilhas de custos da indústria fonográfica. Portanto, ninguém sabe o quanto vale realmente um CD. O artista, esse sempre sai perdendo. A “voz do dono” tem uma longa história de exploração do “dono da voz”. Se bem que, atualmente, CD já foi descartado, virou peça de museu.

A suspeição das grandes corporações industriais, essa continua girando impunemente dentro do carrocel infame da máquina estatal, incluindo o poder judiciário. É disso que fala a obra de Akira Kurosawa. Sobre o tema, vi o filme “A Lavanderia”. Lavagem de dinheiro e evasão fiscal é o assunto. No fim, aparece a famosa Odebrecht, estrela da nossa tragédia recente na “delação do fim do mundo” da Lava Jato. O epílogo dessa farsa mostra o juiz demolidor do império das grandes construtoras virando consultor de empresa norte-americana especializada em refazer impérios decaídos, incluindo a Odebrecht. Voltando para o posto de gasolina de beira de estrada retratado no filme de Geraldo Moraes, é algo assim como o borracheiro que espalha grampos na estrada para depois remendar os pneus furados dos automóveis.

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Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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