OPINIÃO

Lula começou a falar, falta fazer

O presidente Lula descobriu que os ricos se apoderam, de forma legalizada, da maior parte do orçamento público. Descobriu que o governo federal dá 546 bilhões de reais por ano para os ricos através de isenções e desonerações de impostos. Mas ainda não falou a pior parte: que 45% dos gastos do governo federal são para pagamento de serviços da dívida pública, conforme este gráfico extraído do próprio portal da transparência do governo federal. Veja:

Valor pago de despesas por unidade gestora em 2023

Fonte: Portal da Transparência do Governo Federal

Onde vai parar o dinheiro gasto pelo governo com os juros da dívida pública? Nos bolsos dos ricos. O mecanismo é simples: todo gerente de qualquer banco que atende um cliente que quer investir sem risco, aplica o dinheiro do cliente em um fundo de investimentos de renda fixa, quase todos compostos por títulos da dívida pública. Portanto, os credores do governo são as pessoas que tem dinheiro aplicado nos bancos e são elas que abocanham esses 45% do orçamento federal. Quem tem mais dinheiro aplicado, mais ganha. Só para se ter uma ideia, quem tem 100 milhões de reais aplicado, recebe em torno de 1 milhão por mês do orçamento público. Sem fazer nada e sem risco. Os pobres e a maioria dos assalariados não tem aplicação no banco, tem é empréstimo, às vezes uma poupancinha, que rende uma mixaria, ou no máximo uma pequena aplicação de alguns mil reais.

Por que o Brasil é um paraíso para os ricos? Não é porque o governo tem uma dívida grande, como muitos pensam. A dívida bruta do Brasil é de 8 trilhões de reais e corresponde a 76% do seu PIB. A nível de comparação, a dos Estados Unidos é de 34 trilhões de dólares (mais de 160 trilhões em reais), e corresponde a mais de 120% do seu PIB. O que faz do Brasil um paraíso dos ricos é a taxa de juros aplicada à sua dívida. Enquanto os Estados Unidos pagam 5% ao ano sobre sua dívida, o Brasil paga 10%, mesmo ambos os países apresentando praticamente a mesma taxa de inflação. Segundo cálculos do próprio Banco Central do Brasil, a diminuição de cada ponto percentual na taxa Selic resultaria em uma redução de 50 bilhões do orçamento público que vai para o bolso dos ricos. Veja no quadro abaixo.

Fonte: Banco Central do Brasil

 Ou seja, se o Brasil baixasse sua taxa de juros para o patamar dos padrões mundiais, o governo teria mais de 250 bilhões livres no orçamento, ou seja, quase 18 Bolsas Família. É um absurdo, o Bolsa Família, que é o maior programa social para os pobres, só custa 14 bilhões de reais por ano, o que não chega nem a 0,5% do orçamento da União. Coitados dos pobres do nosso país!

Para além da taxa de juros exorbitante do Brasil, há quem diga que o país, sob qualquer taxa, tem que honrar com o pagamento dos juros da sua dívida para pagar o que pegou emprestado. Porém, se formos olhar para evolução da dívida pública brasileira, veremos que sua origem é toda financeira, ou seja, não é resultado de empréstimos que foram investidos no país. Ela praticamente começou a existir a partir do Plano Real, depois de 1994, pois a alta taxa de juros foi um pilar do plano para controlar a inflação, mas que não baixou mais até hoje, mesmo com a inflação completamente controlada, a menos de 4% ao ano. Veja a evolução da dívida pública no gráfico abaixo.

Fonte: Ipeadata

A dívida pública brasileira é como se uma pessoa tivesse gastado uma mixaria no cartão de crédito há 30 anos atrás, não pagou, e paga os juros de uma dívida de milhões hoje. A prova de que a dívida brasileira tem origem completamente financeira, que cresceu apenas com juros em cima de juros, é que até 2014 o orçamento da União dava superávit primário, ou seja, o governo operava no azul, gastando menos do que arrecadava, sem contar o gasto com juros da dívida, e mesmo assim a dívida aumentava, porque o dinheiro que sobrava não dava para pagar todo o valor dos juros da dívida. Depois de 2014, quando o governo começou a gastar mais do que arrecadava, a dívida passou a aumentar de forma mais acelerada, o que dá para ver na inclinação mais íngreme da linha do gráfico acima, a partir de 2015. Veja o gráfico da execução orçamentária da União abaixo, a qual operava no azul até 2014.

Fonte: Tesouro Nacional Transparente

Os ricos se apoderam do orçamento público brasileiro através da alta taxa de juros, resultado de um Banco Central controlado pelos ricos rentistas, e através de isenções fiscais concedidas pelo governo e pelo Congresso. Mas, além de baixar a taxa de juros e extinguir as isenções de impostos para os ricos, é necessário acabar com as grandes fortunas através de um forte imposto sobre heranças. O imposto sobre heranças no Brasil é ridículo e só pode chegar no máximo a 8%. Na Bélgica é de 80%, na França 60%, no Japão 55%, na Alemanha 50%, nos Estados Unidos e Reino Unido 40%. Enquanto houver grandes fortunas hereditárias, os ricos vão abocanhar grande parte do orçamento público através do rentismo.

A maioria das pessoas pensa que o principal problema do país é a corrupção, os políticos, os altos salários, a natureza humana, etc., mas o principal problema é o apoderamento do orçamento da União pelos ricos. É por isso que o governo não tem recursos para a educação, saúde, segurança e políticas sociais mais potentes. No Brasil, rico paga pouco imposto e se apodera legalmente de grande parte do gasto público, transformando o Estado brasileiro num reprodutor gigantesco das desigualdades sociais que já são enormes. 

Lula começou a falar sobre este assunto, denunciando que os mesmos que exigem equilíbrio fiscal do governo, se apoderam da maior parte dos recursos públicos de forma legal, através de influência política e lobby em todas as instâncias de poder. Falta Lula relembrar que criou um partido político, lá atrás, justamente para combater o poder dos ricos e para os pobres obterem poder. Ele hoje é presidente da república. Sei que não pode governar como queria por conta da influência dos ricos em todos os poderes, inclusive no governo dele. Mas sei também que ele pode fazer mais do que falar. Torço para que ele ouse mexer nas estruturas deste sistema político dominado pelos ricos. 

Por Eziel Inocêncio

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