Lázaro Ramos ‘revive’ Lima Barreto e apoia grito de ‘Fora, Temer’ na abertura da Flip
Lázaro Ramos “reviveu” Lima Barreto de forma emocionada e apoiou um grito de “Fora, Temer” na abertura da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
Na noite desta quarta-feira (26), depois de fazer leitura dramática de trechos da obra e dos diários do homenageado desta edição, o ator apontou o microfone na direção do público que fazia coro contra o presidente e concluiu: “Lima Barreto, se aqui estivesse, também estaria gritando “Fora, Temer”.
O “discurso” de Lázaro Ramos aconteceu logo depois de ele deixar a igreja Matriz de Paraty, onde acontece a programação principal da Flip 2017. Ao lado da historiadora Lilia Schwarcz, biógrafa de Lima Barreto e com quem havia dividido espaço na conferência inicial, o ator se dirigiu ao palco da tenda do telão, onde ocorre a transmissão gratuita do evento.
Lá, por cerca de um minuto, o públicou protestou contra o presidente. Na sequência, veio a participação de Lázaro Ramos, que foi bastante assediado para fotos ao sair de cena, enquanto caminhava até a livraria oficial da Flip. No local, aconteceria uma sessão de autógrafos de seu livro recém-lançado, “Na minha pele” (Objetiva), mistura autobiografia e reflexões sobre racismo e questões de identidade.
A sessão de abertura da Flip 2017 teve tom bem-humorado em vários momentos: Lima Barreto (1881-1922) era irônico e fazia críticas à sociedade e à política que se dirigiam ao início da República, mas é fácil “adaptar” aos dias de hoje.
Mas o tom foi também trágico: Lima Barreto era alcoólatra, pobre, alvo de racismo, ressentido com o fato de não ser reconhecido como escritor, foi internado no hospício por duas vezes após surtos, morreu aos 41 anos por problemas decorrentes do vício…
Lilia Schwarcz, autora do recém-lançado “Lima Barreto: Triste visionário” (Companhia das Letras), leu textos que traziam uma espécie de melhores (e piores) momentos da biografia.
Já Lázaro Ramos foi alguém que nos ajudou, finalmente, a entender – o Lima Barreto. Mas zero professoral. Circulando pelo altar e teatral, interpretou tanto o homenageado (lendo anotações pessoais e crônicas do escritor) quanto personagens de ficção criados pelo autor de “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Com direção de cena do diretor de teatro e dramaturgo Felipe Hirsch, as intervenções do ator (irônicas ou emocionadas) provocaram risos e palmas, mas nada muito efusivo.
No fim, aplaudido de pé e jogando seus papéis para o alto, Lázaro Ramos afirmou: “A gente acredita que Lima Barreto também é rua. Então, a gente vai aí pra praça repetir esses textos!”. Foi um desfecho para exaltar o homenageado e amenizar o drama.
Lilia Schwarcz propôs a redenção do escritor: “Quem sabe essa nova geração, animada pelos direitos civis, [venha] uma nova retomada de Lima Barreto. Talvez, neste momento, estejamos prontos para a atualidade de Lima Barreto”. Ela se referiu a ele como “um intérprete do contra, mas que foi sempre, e à sua maneira, a nosso favor” e de “uma democracia menos falha, um país menos racista, com menos feminicídio e uma literatura militante”.
Lázaro Ramos, parecendo emocionado, fechou com um “texto-testamento” do escritor: “Quanto mais compreendermos os outros que nos parecem, à primeira vista, diferentes, mais nos amaremos mutuamente. (…) Atualmente, nesta hora de tristes apreensões pelo mundo, não devemos deixar de pregar o ideal de fraternidade e de justiça entre os homens e um sincero entendimento entre eles. E o destino da literatura é tornar sensível, assimilável e vulgar esse grande ideal de poucos para todos. Para que ela cumpra, ainda uma vez, a sua missão quase divina”.
Em uma edição da Flip marcada pelo recorde de escritoras e escritores negros entre os convidados – eles são 30% dos participantes –, a questão racial apareceu bastante já nesta abertura. Lázaro Ramos leu frases como esta, de Lima Barreto: “A capacidade mental dos negros é discutida a priori; e a dos brancos, a posteriori”. Ou esta: “É triste não ser branco”.
O contraponto foram leituras como de um texto em que Lima Barreto ironizava o fato de ser ele próprio funcionário público: “Aquela placidez do oficio sem atritos, aquele deslizar macio durante cinco horas por dia [risos], aquela posição garantindo inabalavelmente uma vida medíocre… Tudo corre calma e suavemente, sem colisções nem sobressaltos, escrevendo os mesmos papéis e avisos, da mesma maneira”. Também dizia que feriados e pontos facultativo eram “aliás, invenções das melhores da nossa república”.
Flip na Igreja Matriz
As reações no interior da Matriz de Paraty, que pela primeira vez abriga a programação principal, foram bem discretas. Com o altar transformado em palco, o espaço comporta 450 pessoas na plateia, contra 750 da Tenda dos Autores que em anteriores sediou os debates.
O esquema montado para o público entrar na igreja também ficou um pouco desorganizado. Um homem de bengala caiu na pequena “passarela” de madeira (veja na foto abaixo) colocada sobre o chão de pedra para facilitar o acesso ao local. Poucos minutos depois, uma mulher também escorregou.
Ali perto, um cosplayer de Jack Sparrow, personagem de Johnny Depp na franquia “Piratas do Caribe”, observava a movimentação ainda do lado de fora. Nesta sua abertura, a Flip 2017 reservou para a área externa as manifestações mais entusiasmadas, como comprovou o término da performance de Lilia Schwarcz e Lázaro Ramos.
Veja, abaixo, a programação da Flip 2017:
Quarta-feira (26)
- 19h15: Mesa 1 – Sessão de abertura – “Lima Barreto: Triste visionário”. Com Lázaro Ramos e Lilia Schwarcz.
- 21h30: Show de abertura – André Mehmari apresenta a “Suíte Policarpo”, inspirada na obra de Lima Barreto
Quinta-feira (27)
- 12h: Mesa 2 – “Arqueologia de um autor”. Com Beatriz Resende, Edimilson de Almeida Pereira e Felipe Botelho Corrêa.
- 15h: Mesa 3 – “Pontos de fuga”. Com Carol Rodrigues, Djaimilia Pereira de Almeida e Natalia Borges Polesso.
- 17h15: Mesa 4 – “Fuks & Fux”. Com Julián Fuks e Jacques Fux.
- 19h15: Mesa 5 – “Odi et amo”. Com Frederico Lourenço e Guilherme Gontijo.
- 21h30: Mesa 6 – “Em nome da mãe”. Com Noemi Jaffe e Scholastique Mukasonga.
Sexta-feira (28)
- 12h: Mesa 7 – “Moderno antes dos modernistas”. Com Antonio Arnoni Prado e Luciana Hidalgo.
- 15h: Mesa 8 – “Subúrbio”. Com Beatriz Resende e Luiz Antonio Simas.
- 17h15: Mesa 9 – “Na contracorrente”. Com Pilar del Río e Niéde Guidon.
- 19h15: Mesa 10 – “A contrapelo”. Com Carlos Nader e Diamela Eltit.
- 21h30: Mesa 11 – “Por que escrevo”. Com Deborah Levy e William Finnegan.
Sábado (29)
- 12h: Mesa 12 – “Foras de série”. Com Ana Miranda e João José Reis.
- 15h: Mesa 13 – “Kanguei no maiki – Peguei no microfone”. Com Luaty Beirão e Maria Valéria Rezende.
- 17h15: Mesa 14 – “Mar de histórias”. Com Alberto Mussa e Sjón.
- 19h15: Mesa 15 – “Trótski e os trópicos”. Com Leila Guerriero e Patrick Deville.
- 21h30: Mesa 16 – “O grande romance americano”. Com Marlon James e Paul Beatty.
Domingo (30)
- 12h: Mesa 17 – “Amadas”. Com Ana Maria Gonçalves e Conceição Evaristo.
- 15h: Mesa 18 – “Livro de cabeceira”. Autores convidados leem trechos de suas obras favoritas. Com Alberto Mussa, Ana Miranda, Djaimilia Pereira de Almeida, Patrick Deville, Paul Beatty, Scholastique Mukasonga e William Finnegan.
- G1