Juiz de Mari bate recorde mundial de pancada
Depois de vinte anos, retornei a Mari, onde vivi por doze anos. Pense num lugar longe. Pensou? Pois, Mari fica dois dias depois. Não é a distância geográfica, falo daquele distanciamento que nos impõe a vida. Eu morando aqui pertinho, em João Pessoa, e só vinte anos depois retorno a essa cidadezinha que tem o melhor clima do Nordeste e algumas pessoas merecedoras de uma revisita.
Fui ao escritório do sindicalista Assis Firmino. O homem ta chique, com direito a ar condicionado e pose de gerente. É o manda-chuva do sindicato dos trabalhadores rurais. Interino, mas é. Como interino, fez umas reformas e tascou uma placa de bronze anunciando a “obra”, perpetuando seu nome, que Assis é a vaidade em pessoa.
Depois fui ao bar de Zezinho Kalai, onde encontrei o próprio e mais alguns papudinhos, do meu antigo time do “Pé Inchado” de tantas glórias garrafais. Tomei umas frias com bode torrado e fui ao bar do Nelson, o melhor “pé sujo” da redondeza. Não pelas instalações, sempre sujas e desmanteladas, mas pelos frequentadores e pelo tira-gosto de traíra. Soube que morreu meu amigo “Apaga Luz”, um papudinho de respeito, pessoa humana formidável. Seu escudeiro Dedé também se foi, consumido pelo goró de Nelson do Bar.
Saio pelas ruas de Mari com o velho amigo, Dr. Jean Monteiro. Revi a casa onde morei, agora transformada em centro cultural. Mari teve sua geografia reinventada, as pessoas não me conhecem mais. Entretanto, até dos apertos e tristezas sinto saudades, quanto mais das alegrias e coisas boas construídas nesse lugar. Minha antiga casa fica no centro, com vistas para o bar. Coisa chique!
Quem me reconhece na rua é Caveirinha, que de pronto me dá um abraço, fala do filho que está com problemas no coração, diz que não está bebendo por conta desse aperreio. Caveirinha é um rapaz cordato, ingênuo e franco. Quando fundei a liga de futebol de Mari, botei Caveirinha no quadro de árbitros, chefiado por João Peão, um senhor da cabeça grande que a gente chamava “cabeça de navio”. João Peão não entendia nada de regra de futebol, mas como ninguém tinha convicção de sua ignorância, apitava os jogos e ditava regras. Por exemplo, numa partida ele apitou um pênalti que até o time favorecido achou tão absurdo que nem quis bater a falta máxima. João Peão disse que ele mesmo chutaria o pênalti. “Ta na regra: quando ninguém quer bater, o juiz fica encarregado da cobrança”, sentenciou Peão.
Caveirinha bateu um recorde mundial, de que muito se orgulha: conseguiu ser agredido em três partidas de futebol no mesmo dia. Pela manhã, apanhou apitando uma pelada de veteranos; à tarde, levou uns tapas no jogo de aspirantes da Liga, e à noite foi vítima de cascudos em partida de futebol de salão. Um dia, Caveirinha foi à minha casa em companhia de um sujeito, para certificar sua façanha.
− Fábio, fala pra esse cara se eu não sou o único juiz do mundo que apanhou três vezes em três partidas no mesmo dia.
Confirmado o recorde, os olhos de Caveirinha brilhavam de orgulho:
− Fábio entende de futebol, cara!