Já era madrugada quando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (DEM-AL), teve a certeza de que o acordo firmado na tarde anterior com os diversos partidos políticos (incluindo PT e PSOL) traria a ele uma vitória pessoal na aprovação da reforma tributária. O texto base foi aprovado por larga maioria, restando 26 destaques a serem apreciados pela Casa. Depois disso, irá ao Senado e, por fim, para sanção presidencial. Para ajudar você a entender o que mudou com a reforma aprovada até aqui, a DINHEIRO acionou um time de especialistas para comentar os principais pontos da aprovação.
Imposto de Renda Pessoa Física e Jurídica
A principal mudança estrutural no texto aprovado revê a tabela do imposto de renda para pessoas físicas. A primeira mudança foi elevar a fatia de cidadãos que poderão ser isentos do tributo. Pela matéria, quem recebe até R$ 2,5 mil ao mês não precisará declarar o imposto. Na prática isso significa que cerca de 5 milhões de brasileiros que hoje precisam declarar o imposto (e pagar tributos) o deixarão de fazer em 2022. As outras faixas salariais também terão os valores reajustados. Confira:
Faixa 1, até R$ 2,5 mil: 0%
Faixa 2, de R$ 2,5 mil até R$ 3,2 mil: 7,5%
Faixa 3, de R$ 3,2 mil até R$ 4,25 mil: 15%
Faixa 4, de R$ 4,25 mil até R$ 5,3 mil: 22,5%
Faixa 5, acima de R$ 5,3 mil: 27,5%
Para Roberta Veloso, doutora em direito tributário e professora da Universidade de Campinas (Unicamp), apesar da importante revisão dos valores ser feita, a reforma não combate a pior distorção da tabela, que é a faixa 5. “Dizer que alguém que recebe R$ 5,4 mil ao mês deve ser tributado da mesma forma que alguém que ganha R$ 105,4 mil é dizer que o que restou da classe média precisa pagar os mesmos impostos do topo da pirâmide”, afirmou. Para ela, essa distorção já existia antes da reforma e mostra o pouco caso do sistema tributário com a classe social capaz realmente ativar a economia. “O consumo da classe média é essencial para a retomada. Diminuir o imposto desse cidadão é colocar dinheiro direto na economia”, afirmou.
Tributação nos lucros e dividendos
Considerada a mais polêmica das mudanças, a Câmara instituiu uma alíquota de 15% na distribuição de lucros e dividendos de empresas com faturamento superior a R$ 4,8 milhões ao ano. Para Douglas de Oliveira, sócio do escritório Oliveira, Securato e Abdul Ahad Advogados, tentar passar essa linha, como se ela fosse linear, é impreciso. “Você acaba colocando no mesmo lugar empresas com tempo, maturação e situações diferentes”, disse. Para ele, ainda que a cobrança seja vista como parte de uma estratégia de compensação, não há clareza, nem por parte do governo, sobre o impacto destas medidas nas contas públicas. “Mas é certo que haverá um impacto nos tributos das empresas”, disse.
Já Paulo Duarte, economista chefe da Valor Investimentos, entende que o texto aprovado vem em linha com o apresentado pelo governo federal (ainda que Lira tente reconhecer sozinho a paternidade da matéria). “Ao diminuir a alíquota do imposto de renda e taxar os dividendos, o governo incentiva que o empresário invista no negócio ao invés de distribuir lucros e dividendos para os sócios.”
Bolsa de Valores
O limite para isenção de IR para venda de ações passa de R$ 20 mil por mês para R$ 60 mil por trimestre. Carlos Santana, economista e professor da Universidade Federal do ABC, afirma que, na prática, a mudança beneficia o investidor que, por exemplo, vendeu R$ 50 mil em um mês e nada dos outros dois meses “A reforma permite o investidor compensar lucros e perdas com ações na Bolsa por até três meses e isso é bom”, disse.
Imóveis
O texto ainda permite que pessoas físicas atualizem o valor de seus imóveis nas declarações de IR mesmo sem vendê-los. O governo cobrará uma alíquota de 4% sobre essa atualização. Hoje, quando vende um imóvel, o contribuinte paga entre 15% e 22,5% de IR sobre o ganho de capital que teve em relação ao valor que havia sido declarado.
Contribuição sobre lucro líquido
A reforma prevê redução de até 1 ponto percentual na cobrança da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) para as empresas, já em 2022. Com isso, as alíquotas cobradas passam de 9%, 15% e 20% para 8%, 14% e 19%. No texto original enviado pelo governo ao Congresso, essa contribuição não mudaria. A proposta também prevê mudar o Imposto de Renda para empresas, que cairá de 15% para 8% em 2022. O adicional de 10% do IRPJ sobre lucro que ultrapasse R$ 20 mil mensais, que já existe hoje, fica mantido. Com isso, a alíquota máxima cairá de 25% para 18%.
Fim de algumas desonerações
Reduzir os impostos sem diminuir o tamanho do Estado exige compensação. A principal delas deve vir do fim da desoneração do Cofins para alguns setores estratégicos da economia, como remédios e produtos químicos em geral. Para compensar a diminuição na alíquota do CSLL a saída foi onerar parte da cadeia produtiva. Para os empresários, a notícia caiu como uma bomba. O setor farmacêutico, por exemplo, fala em um aumento de 12% nos preços dos produtos. Simone Pasionotto, economista chefe da Reag Investimentos, além do problema que será avaliado em cada empresa, o texto em nada discute o que para ela é o maior problema da tributação brasileira: o imposto no consumo. “É preciso repensar isso em um momento em que precisamos garantir o consumo das famílias para reativação da economia após a pandemia”, disse.
Um estudo do departamento de economia da Universidade Federal Fluminense aponta que o PIB brasileiro pode crescer entre 1,5% e 1,8% ao ano se o consumo fosse menos submetido aos impostos. “Esse deveria ser o grande ponto da reforma tributária: revisar todo o sistema, e não fazer dela, como vem sendo, uma bandeira de marketing eleitoral”, afirmou. Para ela, a reforma aprovada ela saiu atrapalhada pela velocidade, falta de diálogo e não atende de modo equânime o sistema como um todo.