Greenpeace acusa duas multinacionais americanas de cumplicidade no desmatamento no Brasil
Duas gigantes agrícolas, as americanas Cargill e Bunge, são acusadas, em um relatório recente, pelo Greenpeace de cumplicidade no desmatamento e expropriações no Brasil, o que as duas empresas negam.
Em seu relatório “Cultivando Violência” e tornado público na terça-feira, a organização de defesa do meio ambiente aponta os vínculos da Bunge e Cargil, maiores exportadoras da soja produzida no Cerrado brasileiro, com uma fazenda em particular.
Aberta em 1978 em Formosa do Rio Preto, no estado da Bahia, a fazenda Estrondo, que explora suas terras e aluga uma parte a fazendeiros, estende-se oficialmente sobre 305.000 hectares.
O Greenpeace afirma que Cargill e Bunge “operam silos dentro dos limites da propriedade e compram soja diretamente de suas plantações”.
Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, a fazenda Estrondo é fruto da “apropriação ilegal de 444.000 hectares” de terras, incluindo uma parte do território de comunidades tradicionais, estabelecidas na região há mais de 200 anos.
Enquanto uma decisão judicial provisória de 2017 garantiu a propriedade de 43.000 hectares a essas comunidades, os habitantes locais denunciam a construção em seu território de guaritas para vigias pagos pela fazenda Estrondo, bem como várias tentativas de intimidação e de violência contra eles, uma versão rejeitada pelos responsáveis da fazenda.
A fazenda Estrondo também é acusada de “desmatamento ilegal”, “inclusive com alegações de que licenças de desmatamento na propriedade tinham sido obtidas de forma fraudulenta” em 2002.
O Greenpeace afirma ainda que identificou em abril uma safra de soja “cultivada ilegalmente em uma área embargada” pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), o que o grupo também contesta.
“O fato da Cargill e Bunge ainda manterem relações com Estrondo é inaceitável, visto que existe uma série de irregularidades e episódios de violência”, declarou à AFP Cristiane Mazzetti, uma responsável do Greenpeace no Brasil.
– 90% de rastreabilidade –
As duas multinacionais americanas negam qualquer relação comercial com as sociedades proprietárias da fazenda Estrondo.
“Todas as compras de soja na área da Estrondo vêm de produtores arrendatários que adquiriram direitos legais de uso das terras […] A Cargill não fornece e não fornecerá soja de agricultores que desmatam terras em áreas protegidas. Temos controles para impedir que produtos não compatíveis entrem em nossa cadeia”, declarou a Cargill à AFP, acrescentando que seu silo está localizado a quase 60 km das áreas de conflito, sem informar em qual terreno.
A Bunge, que, como a Cargill, está comprometida em desenvolver uma cadeia de produção sem desmatamento, afirma que atingiu mais de 90% de rastreabilidade para suas compras diretas em áreas em risco de desmatamento e que atua em conformidade com a lei brasileira.
“A Bunge não compra ou recebe grãos de áreas embargadas pelo Ibama. Quanto ao silo, não faz parte do Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo e está localizado em propriedade privada da empresa”, declarou a companhia.
“As respostas [da Cargille Bunge] negam as evidências. O grupo Estrondo precisa ser tratado como uma unidade, há um controle compartilhado sobre a terra, bem como decisões relacionadas ao seu uso […] Minimizar sua presença é se esconder de suas co-responsabilidades nesses impactos no contexto da Estrondo”, contestou Greenpeace.
“As empresas já foram comunicadas em junho e setembro […] no entanto, ainda não tomaram nenhuma ação concreta para endereçar o problema”, ressaltou a ONG.
Com dois milhões de quilômetros quadrados, o Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, atrás da Floresta Amazônica. Esta savana já perdeu quase metade de sua vegetação original.
Este nível de desmatamento se explica, sobretudo, pelo forte avanço da agropecuária industrial, em particular na região do Matopiba, último eldorado agrícola do Brasil, onde está localizada a fazenda Estrondo.
Entre 2007 e 2014, quase dois terços da expansão das atividades agrícolas se deu em detrimento da savana e de plantas nativas, ressalta o Greenpeace.
AFP