TOCA DO LEÃO

Governo prestigia literatura de cordel nos editais de apoio à cultura

Ando me construindo como escritor há uns quarenta anos, quando comecei a editar jornais e escrever uns poemas tão ruins que não passam de crimes infanto-juvenis premeditados. Copiando o poeta Naldo Velho: “Crime premeditado/de quem assumiu a condição de poeta/e que sendo por natureza um tolo/fez da palavra um consolo/pois a sentença final é: culpado!

Tem uns trinta anos que concorri a um concurso de contos. O título do meu conto: “Novela cibernética”. Adaptei de uma ideia que li não sei onde de não sei quem. Achei tão arretado o ajuste que fiz da criação do outro que passei a acreditar ser minha original descoberta literária. Melhor faz quem melhor copia, arrisca dizer o poeta Maciel Caju, mas esse não pode servir como modelo de nada, devido à sua distorcida ética. Na verdade, jamais escrevi um conto decente.

Tentei ser um poeta moderno, ultrarromântico e depois ultracínico. Mergulhei na poesia de protesto, escrevi um poema chamado “Pátria armada” que rendeu um livrinho magro e desidratado. Tem uns vinte anos que afundei gostosamente nas rimas do cordel. Ensinaram-me que sujeito metido a intelectual não deve se meter em poesia popular, que é seara alheia. Trata-se de uma espécie de aviltamento da arte dos poetas repentistas ou de gabinete, como costumam designar o trovador que escreve os chamados folhetos de feira. Eles, os menestréis de rua, violeiros e versejadores do povo, que me desculpem, mas passei a gostar de construir sextilhas. Dou-me o prazer de fazer meus versinhos de pé quebrado, conforme aconselha Mário Quintana: “Todos deveriam fazer versos, ainda que saiam maus. É preferível para a alma humana fazer maus versos a não fazer nenhum. Qualquer poema é uma aventura, boa ou má”.

Uma ideia que povoou meu imaginário de infância: só considerava escritor o cara que editava livros de capa dura. Conforme fui crescendo e vendo como se joga o jogo do rato, passei a ter a certeza de que o verdadeiro escritor é aquele que não paga para imprimir seus livros e ainda ganha dinheiro. Nunca mercadejei com minhas obras recalcitrantes, mas tenho o orgulho besta de afirmar que também jamais tirei dinheiro do bolso para editar meus cinco livros que aos trancos e barrancos vieram à luz. Mesmo porque, nem sou mágico para tirar capital excedente dos meus mal providos bolsos. Para ser mais exato, é no tesouro do Estado onde busco recursos para as publicações. O Governo financia meus livros, que são distribuídos quase de graça.

O Governo criou projetos de inclusão social dos escritores medíocres, e é nesses que me encaixo. Claro que isso é galhofa de minha parte. Muita gente boa está na lista dos autores credenciados. Trata-se do projeto Aldir Blanc, onde consegui habilitar o folheto “Feira Agroecológica da UFPB: um centro de humanidades”. Nesse Prêmio Maria Pimentel de Literatura de Cordel foram classificados grandes cordelistas amigos meus, a exemplo de Sander Brown, Tiago Monteiro,  Annecy Bezerra, Raniery Abrantes, Irani Medeiros, Manoel Belisario, entre outros cordelistas da nova geração.

Os camponeses dos quatro assentamentos presentes na feira da UFPB estão no meu folheto, com suas histórias de vida e experiência com agricultura orgânica. Tem o aboiador, a artesã, o homem que produz meisinhas da farmácia fitoterápica e a moça especialista em contar histórias, reunir gente, unir as pessoas para ações coletivas. O grande artista Auguste Rodin finaliza o papo de hoje: “O mundo não será feliz a não ser quando todos os homens tiverem alma de artista, isto é, quando todos tirarem prazer do seu trabalho”.

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Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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