Governo da Colômbia e Farc assinam acordo de paz para conflito de 52 anos
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e o número um das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como “Timochenko”, assinaram nesta segunda-feira (26) em cerimônia na cidade de Cartagena de Indias, o acordo de paz que coloca um fim ao conflito armado que assola o país há 52 anos. O acordo foi anunciado em 24 de agosto, após quase quatro anos de negociações em Cuba e três fracassos de governos anteriores.
A cerimônia conta com a presença de mais de 10 chefes de Estado da América Latina, como os presidentes Raúl Castro, de Cuba, que hospedou as rodadas de negociações, Nicolás Maduro, da Venezuela, Michelle Bachelet, do Chile, Mauricio Macri, da Argentina, entre outros. Também estão presentes o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, do secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, e da diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. Cerca de 2.500 pessoas foram ao local assistir ao evento.
O acordo contempla o abandono das armas pela guerrilha e sua transformação em movimento político, entre outros pontos. A nova agremiação política deve ocupar dez assentos no Congresso.
No início da cerimônia, os líderes que subiram ao palco fizeram um minuto de silêncio em homenagem “aos colombianos ausentes”. O primeiro a assinar foi “Timochenko”, que utilizou um “balígrafo”, uma bala transformada em caneta, como sinal da evolução que a Colômbia terá em seu futuro. Ao terminar, ele levantou os braços e recebeu uma salva de aplausos.
Posteriormente, Santos também assinou o acordo com um “balígrafo”, sendo igualmente aplaudido pelos convidados, que usavam roupas brancas. Em seguida, o presidente colombiano entregou a “Timochenko” uma pomba da paz. Os dois se deram as mãos e tiveram uma pequena conversa.
“Renascemos para promover uma nova era de reconciliação e de construção da paz”, disse Timochenko. Ele ressaltou que, com o acordo, as partes não abriram mão de suas ideias, mas que passarão a enfrentá-las apenas na esfera da política. O líder das Farc também pediu perdão pela dor que seu grupo causou.
Manuel Santos, por sua vez, defendeu o acordo dizendo: “Prefiro um acordo imperfeito que salve vidas a uma guerra perfeita que siga semeando a morte e a dor em nosso país, em nossas famílias”.
“Membros das Farc, hoje, quando empreendem seu caminho de volta à sociedade, quando começam seu trânsito para se converter em um movimento político sem armas, seguindo as regras da justiça, verdade e reparação contidas no acordo, como chefe de Estado desta pátria que todos amamos, lhes dou as boas-vindas à democracia”, afirmou em seu discurso.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que a comunidade internacional se sentiu honrada ao apoiar o acordo. “Espero que os colombianos possam superar a dor e fazer deste um projeto nacional. Este processo de paz foi liderado por colombianos do princípio ao fim. Foi uma honra à comunidade internacional apoiá-lo”, disse logo após a assinatura do acordo.
“Hoje os colombianos se despedem de décadas de chamas e estão enviando uma luz brilhante de esperança que ilumina todo o mundo”, disse. “Viva a Colômbia! Viva a Colômbia em paz!”, finalizou, em espanhol, o seu discurso.
Plebiscito
O pacto ainda deverá ser aprovado pelos colombianos num plebiscito marcado para o próximo dia 2 de outubro. Todas as pesquisas projetam a vitória do “sim” na consulta popular. No entanto, nesta segunda, cerca de 100 manifestantes contra o acordo, incluindo o ex-presidente Álvaro Uribe, saíram às ruas para protestar.
Segundo o determinado pela Corte Constitucional da Colômbia, o acordo será considerado válido se a opção pelo “Sim” tiver mais de 4,4 milhões de votos, e for superior aos votos pelo “Não”.
O acordo é considerado histórico porque desde 1983 o país fracassou em três tentativas de negociar a paz, como informa o jornal “El Tiempo”. Essas tentativas ocorreram durante os governos de Belisario Betancur, César Gaviria e de Andrés Pastrana.
A guerrilha nasceu de uma insurreição camponesa em 1964 em Marquetalia, na região de Tolima. Um grupo de liberais armados, entre eles Pedro Antonio Marín, conhecido como “Tirofijo”, tentou frear uma ofensiva do Exército que pretendia acabar com uma comunidade autônoma de camponeses que existia no lugar.
Em mais de 50 anos, o conflito na Colômbia, o mais longo das Américas, provocou a morte de 260 mil pessoas e deixou quase 7 milhões de deslocados internos e 45 mil desaparecidos.
Nesta segunda, a União Europeia anunciou que decidiu suspender as Farc de sua lista de organizações terroristas. “A decisão terá pleno efeito uma vez seja assinado o acordo de paz”, diz o comunicado a UE. Já os EUA ainda não estão prontos para tomar a mesma medida, de acordo com o secretário de Estado John Kerry. Segundo ele, o país irá analisar o assunto à medida que o acordo de paz seja implementado.
Pontos acordados em Havana
O pacto da Havana prevê acordos e compromissos em seis pontos: reforma rural, participação política dos ex-combatentes da guerrilha, cessar-fogo bilateral e definitivo, solução ao problema das drogas ilícitas, ressarcimento das vítimas e mecanismos de implementação e verificação.
O compromisso alcançado em Cuba estabelece que quem confessar seus crimes diante de um tribunal especial poderá evitar a prisão e receber penas alternativas. Se não for feito dessa forma e forem declarados culpados, serão condenados a penas de 8 a 20 anos de prisão.
Além disso, espera-se que as Farc iniciem seu desarme uma vez que sejam referendados os acordos em um prazo de seis meses contados a partir de sua concentração em 23 áreas e oito acampamentos na Colômbia.
Observadores desarmados da ONU, delegados das Farc e o governo verificarão o processo de abandono das armas, com as quais serão levantados três monumentos.
Perfis opostos, objetivo comum
Inimigos de longa data, Santos e “Timochenko”, um presidente de centro-direita de família rica e um líder guerrilheiro marxista de origem camponesa, vão entrar para a História como os arquitetos do pacto inédito.
Santos, que fez da paz com a guerrilha seu grande objetivo desde que foi eleito presidente em 2010 e reeleito em 2014, liderou uma luta feroz contra Farc como ministro da Defesa de seu antecessor, Álvaro Uribe.
Membro de uma família rica de Bogotá, Santos, sobrinho do ex-presidente Eduardo Santos (1938-1942), é um liberal formado nos EUA e na London School of Economics, e ocupou diversos cargos públicos em sua longa carreira política, sempre com a presidência da Colômbia no horizonte.
De acordo com um dos seus conselheiros e cunhado Mauricio Rodríguez, buscando a paz Santos “fez a guerra como um meio para alcançá-la”. Seu objetivo: “enfraquecer as Farc para forçá-las a sentar-se à mesa”.
“Por toda a minha vida (…) fui um inimigo implacável das Farc”, declarou Santos, de 65 anos, durante a assinatura, em junho, do acordo de cessar-fogo com a guerrilha. “Mas (…) vou defender, com a mesma determinação, o seu direito de se expressar e continuar a sua luta política por meios legais”, acrescentou.
A mesma determinação teve Rodrigo Londoño, o Timochenko, de 57 anos, líder das Farc desde 2011. De família humilde e nascido em uma região cafeicultora, Timochenko militou na Juventude Comunista e cursou medicina na União Soviética e Cuba, sem se formar.
Em seu retorno à Colômbia, em 1979, ele se juntou às Farc, onde teve uma ascensão meteórica, alcançando aos 26 anos seu Secretariado, a cúpula rebelde de sete comandantes.
‘Um dos mais queridos das Farc’
Timochenko foi capaz de convencer suas tropas da necessidade de paz, porque é “um dos tipos mais queridos das Farc” por sua estreita relação com Manuel Marulanda ‘Tirofijo’, o falecido líder histórico do grupo rebelde, indicou à agência AFP o analista Ariel Avila, da Fundação Paz e Reconciliação.
“O acordo final nos permitirá finalmente retomar o exercício político legal através de meios pacíficos e democráticos”, considerou Timochenko em junho, salientando que pensar nesta possibilidade há 52 anos “era um absurdo para os poderes e partidos no poder”.
No início de 2012, Timochenko escreveu a Santos propondo iniciar “uma hipotética mesa de negociações”. Pouco depois, os rebeldes anunciaram o fim do sequestro de civis como meio de extorsão econômica, uma das mais insistentes exigências do chefe de Estado.
Desde esse momento, as aproximações se intensificaram e confluíram na instalação de uma mesa de diálogo em novembro de 2012 em Havana, onde na quarta-feira as duas partes anunciaram o histórico acordo final.
G1