Governo cruza os braços para saída da Ford, denunciam trabalhadores de São Bernardo
Pai, mãe e filha foram juntos para a manifestação contra o fechamento da montadora Ford na cidade de São Bernardo do Campo (SP), na manhã desta quinta-feira (7). Rafael Matheus, esposo de Ana Paula, tem 25 anos e há cinco trabalha na Ford. A preocupação do casal é com o futuro da filha de apenas três anos.
“Eu acho que todo tipo de apoio é bem-vindo, porque é desse trabalho que ele tira o nosso sustento”, disse Ana Paula. “Nossa preocupação é o futuro dela. Hoje ela estuda em uma escola boa. Nosso país já não está fácil com esse governo, se isso acontecer aí vai ficar mais difícil”, completou Rafael.
No dia 19 de fevereiro, a empresa anunciou o fechamento da fábrica em São Bernardo do Campo até o fim de 2019. A montadora funciona na cidade do ABC paulista desde 1967 e emprega cerca de 4500 trabalhadores.
Iracy é uma delas. Ela explica que com o marido e a filha desempregados, sua renda se tornou o único sustento da família. “Eu acho isso injusto. Eles deveriam ter sentado para conversar com a gente. Na minha casa hoje, só eu trabalho. A Ford indo embora, vai tirar o sustento da minha família. Não sou só eu que estou nessa situação, tem muita gente na mesma. Por isso eu acho muito injusto que esse tipo de coisa aconteça”.
Segundo a trabalhadora, a Ford os pegou de surpresa, já que nos últimos anos os trabalhadores firmaram vários acordos que beneficiaram a empresa. “Tudo o que eles pediram pra gente nós fizemos. Diminuíram o nosso salário e nós concordamos. Trabalhar nas duas fábricas, nós concordamos. Precisa vir trabalhar no sábado, a gente vem. Então porque eles fazem isso de uma hora para outra?”, questionou.
Um dos acordos firmados entre os trabalhadores e a empresa nos últimos anos permitiu que funcionários da fábrica de automóveis prestassem serviços também à montadora de caminhões. O que representa uma incomum flexibilidade das relações trabalhistas, segundo explica o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, João Cayres.
“Nenhuma empresa no mundo tem a flexibilidade de mão de obra que a Ford tem. Nós fizemos um acordo chamado fusão, onde os trabalhadores da fábrica de automóveis trabalham na fábrica de caminhões e vice-versa. Isso não existe em nenhum lugar do mundo. E aqui só existe porque fizemos vários acordos, e por isso esperávamos uma notícia muito melhor”, disse Cayres.
O ato em São Bernardo coincide com a data de uma reunião entre representantes dos trabalhadores e da Ford, que ocorre no fim do dia na sede matriz da empresa, nos Estados Unidos.
Governo ausente
“Não se trata somente dos quatro mil trabalhadores diretos”, denunciou a manifestação desta quinta-feira. Segundo cálculos dos próprios trabalhadores, outras 24 mil pessoas podem ficar sem emprego com o fechamento da fábrica. Para o município, a perda em arrecadação pode chegar aos R$ 300 milhões ao ano. E os impactos devem ser sentidos também no comércio. O Sindicato dos Metalúrgicos calcula que o aumento do desemprego no município, provocado pelo fechamento da fábrica, pode causar prejuízo de pelo menos R$ 5 milhões por mês somente no comércio de produtos básicos.
Para o ex-ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, tamanho impacto para a vida dos trabalhadores e suas famílias requereria um governo forte que mediasse as negociações, o que não é o caso da atual gestão de Jair Bolsonaro que, segundo Marinho, sequer se pronunciou sobre a decisão da empresa desde que foi tomada.
“A democracia nos oferece oportunidades. A gente às vezes aproveita, em outras joga fora essa oportunidade, o que, na minha avaliação, foi o que aconteceu na última eleição. E a consequência é a ausência total por parte do governo federal de se colocar ao lado dos trabalhadores para enfrentar a Ford. Essa fragilidade é que seguramente animou a Ford a tomar uma decisão tão drástica como essa”.
O ato desta quinta-feira terminou na Praça da Matriz, no centro de São Bernardo do Campo, com um ato inter-religioso, no qual participaram representantes do Candomblé, Umbanda, Judaísmo, Espírita, Neo-pentecostais, Igreja Batista e Católica.
“Quem tira a vida dos pobres é assassino. Mata o próximo quem lhe tira seus meios de vida. E derrama sangue quem priva o operário de seu salário”, disse a representante da Pastoral Carcerária de São Bernardo, Toninha.
Também estiveram presentes na manifestação representantes de outros sindicatos, como o dos professores, de trabalhadores da indústria, do vestuário, saúde e servidores públicos municipais. Durante a atividade, o deputado estadual de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Teonilio Barba, anunciou a criação de uma frente parlamentar em defesa dos trabalhadores da Ford na Assembleia Legislativa do Estado (Alesp).
Leonardo Fernandes (Brasil de Fato