Flora vai brotar na dinastia Mozart
Em uma das mais belas canções de Vital Farias, “Sete cantigas para voar”, o poeta dá notícias da “cantiga de moça lá no cercado que canta a fauna e a flora e ninguém ignora se ela quer brotar”. Flora vem a ser filha do meu filho mais novo, o músico Max Mozart.
Flora Mozart está programada para despontar neste horto em meados de abril. Deve carregar o signo de Touro. Marulino, o avô do Imperador Adriano, acreditava nos astros. Sem convicções nem fé, o avô de Flora Mozart ainda assim tem confiança de que essa menina vai nascer trazendo as características de paciência, bom gosto, sensibilidade e um pouco de teimosia. Herdando do pai o espírito melodioso, deverá ter uma vida suave e harmoniosa. Em conformidade com o almanaque de Madame Preciosa, a taurina desta fase combina o elemento terra com a lua, o que leva ao desenvolvimento de personalidade segura e generosa. Se tiver o planeta Vênus como regente, será afetuosa, gentil e delicada.
Delineado seu Mapa Astral, minha atenção lírica concentra-se no domicílio de Flora Mozart, jardim onde ela vai crescer e desenvolver seu ego botânico e sua fitologia. Sendo uma flor nordestina, teria o nome científico de Flora Brasiliensis Africum. Do avô talvez ganhe traços do perfil que fez de mim o compadre Manuel Batista: “Fábio Mozart foi um cara que por aqui passou, meio louco, meio sereno, meio avoador, meio excêntrico, meio líder, meio sério, meio violador de costumes”. Sobre o ecossistema onde viverá Flora, reorganizo a poesia de Águia Mendes: “Há quatrocentos anos eu sonho uma casa no mundo, alcova com beira-mar, retreta lunar, pomares em órbita, sala de estar com sol poente, terraços com auroras boreais e montanhas carnavais”.
Quando nasceu meu primeiro neto, Ravi, filho do meu outro filho Arnaud Neto, eu escrevi na Toca do Leão: “Todas as noites eu penso em tempos de bem virá, como na canção de Geraldo Vandré, e faço oração silenciosa a uma divindade não neurotizante para que sejam ditosos os futuros dias das minhas pessoas e instituições queridas, quando seu tempo não for o meu tempo, mas que de alguma forma eu esteja perpetuado na genética dos parentes ou na corrente eterna dos adeptos das paixões inexplicáveis por um time de futebol, por exemplo.
A gente se inventa e se descobre humano quando interage com esses apegos. Mesmo embalado na minha desesperança e falta de fé na humanidade, uma miragem profícua mostra os dias de amanhã mais felizes para os que são sagradamente meus.
Resumindo: cinquenta anos depois que eu morrer, ninguém se lembrará de mim, mas meu neto Ravi certamente estará dando seu esforço para melhorar o mundo e meu glorioso Fogão estará seguindo sua trilha de imortalidade esportiva.
A nossa geração, que passou por tantas provações, tem o dever de pensar no futuro com esse olhar crédulo. Enquanto isso, ficamos aqui gemendo as dores da idade, mas ainda aprendendo, lendo, colecionando camaradas, gritando gol e fluindo a afeição dessas criaturinhas milagrosas como só sabem ser os pirralhos.
Outro dia acordei e tinha sessenta anos. Percebi na ocasião que eu não sou intelectual, poeta talentoso ou sabedor do bê-á-bá de qualquer ciência do conhecimento humano. Sou apenas um sobrevivente da terceira idade arrumando as malas para atravessar o grande rio. À margem, deixo uma carga considerável de encantamentos e ideais, alguns concretos, muitos sonhados. De tangível, apenas os seres procriados que continuarão a linha ascendente da dinastia Mozart. É uma profanação não me sentir grato por esses prodígios da vida”.