Festival Internacional de Música Clássica de João Pessoa começa neste domingo
Ao lado de “Carmen”, “Carmina Burana”, de Carl Orff, está entre as cantatas mais reproduzidas de todos os tempos. É com ela que será aberto o II Festival Internacional de Música Clássica de João Pessoa, neste domingo (30), às 18h,na Praça do Povo do Espaço Cultural.Mas ao contrário de “Carmen”, personagem da ópera de Bizet, “Carmina Burana” não se trata de uma figura feminina. Significa, em latim, “Canções da Beuern”, abreviação de Benediktbeuern, uma abadia da Baviera, região da Alemanha onde teriam sido compostos, no século XIII, os poemas nos quais o compositor Carl Orff se inspirou para escrever os versos da ópera.
Um dos maiores hits da música clássica, “Carmina Burana” é de longe a obra mais conhecida do compositor alemão Carl Orff (1895-1982). Também é cercada de polêmica. Foi escrita em 1935 e estreou em 1937 em Frankfurt, sendo intensamente glorificada pelos líderes do nazifascismo. A obra é a única produção artística da Alemanha nazista a permanecer conhecida até hoje (por esse motivo, a sua execução foi banida de Israel).
Dos 228 poemas medievais (alguns musicados já àquela época), Orff escolheu 22 e os agrupou em assuntos para construir um tipo de enredo. Num prólogo, o texto fala dos caprichos da roda da fortuna. A primeira parte trata do despertar da natureza e do amor na primavera; a segunda, mais sombria, de uma noite de excessos do jogo, comida e bebida numa taberna. A terceira, de um amor que se torna refém dos caprichos do destino.
O problema em torno desta ópera é que a escrita musical era tão precária no século XIII, que fica difícil distinguir até onde vai a recuperação do manuscrito em que se baseia e onde começa a criação de Orff. “Uma das poucas poesias utilizadas pelo compositor que aparece em versão musicada no manuscrito da Idade Média é In Taberna, o texto usado para a conclusão da segunda parte de sua cantata”, cita o maestro Osvaldo Colarusso, de Curitiba, com passagens pela Petrobras Sinfônica e Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, hoje responsável por um dos blogs mais acessados de música erudita, o “Falando de Música”. Boa parte das carminas foi copiada sem que fosse descrita a forma da peça, tendo somente umas poucas indicações da música. Os autores foram os chamados mongesgoliardos, desertores dos estudos eclesiásticos de universidades desiludidos por causa da corrupção do clero.
“Programar ‘Carmina Burana’ é garantia de sala cheia, tais a riqueza timbrística e ritmo apoteótico que trazem apelo até para quem não é familiar com a música clássica. É uma ópera grandiosa, que dispõe de um potente aparato percussivo e projeta geralmente grandes solistas. Um épico”, resume Laércio Diniz, maestro da Sinfônica de João Pessoa (que vai estar no concerto de abertura), da Filarmônica do Brasil e da Orquestra Nova da Holanda, que já perdeu as contas de quantas vezes regeu “Carmina”mundo afora.
“Teremos como pianistas convidados o paulistano Paulo Gazzaneo e a ucraniana Anna Fedorova, que é fã declarada da obra de Orff, além de três excelentes solistas: o baixo-barítono Wladimyr Carvalho, a soprano Gabriella Pace e o tenor Paulo Mestre”, completa. A dramaticidade vai ser acentuada pelas 100 vozes do Coro Em Canto da Universidade Federal de Campina Grande e a singeleza do Coral Vozes da Infância, um projeto mantido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
O Vozes da Infância – Com quatro anos de existência, o projeto Vozes da Infância absorve 40 crianças e adolescentes de comunidades de João Pessoa com canto coral e atendimento multidisciplinar que complementa a jornada pós-sala de aula. “O atendimento psicológico é essencial para imprimir concentração e regular a disciplina, ainda mais em músicas de alto grau de dificuldadecantadas em latim, como ‘Carmina Burana’”, diz o maestro preparador, Kleiton d’Araújo. Pelo Vozes já passaram 300 crianças, todas estudantes da rede municipal.
Na obra, os coralistas farão uma entrada solo na ária Amor Volat Undique e depois, já com os três solistas e o coro adulto, em Tempus et Iocundum. Este é um passo à frente para o grupo acostumado a fazer cantatas de Natal e Ano-Novo. Os ensaios, que acontecem duas vezes na semana, na Estação das Artes, intensificaram-se. “Esta é uma oportunidade valiosa para eles entenderem como funciona a hierarquia de uma orquestra. A ópera tem um ‘peso’ e exige preparo, equilíbrio, coordenação e foco para que tudo saia perfeito e no lugar”, sentencia.
Secom/JP