Festival de Berlim: filme que denuncia golpe é aclamado na Alemanha – vídeo
As risadas e giradas de Janaína Paschoal deram o toque de humor em filme brasileiro aclamado pelo público no Festival de Berlim. “O Processo”, documentário da brasiliense Maria Augusta Ramos sobre o impeachment de Dilma, estreou no Festival de Berlim nesta quarta (21), na esteira de um ato pró-Lula encampado por brasileiros na Europa e terminou com ovações à ex-presidente e gritos de “Fora, Temer”.
As cenas iniciais mostram a Esplanada dos Ministérios vista de cima, cindida pela cerca que, durante boa parte do ano de 2016, separou “coxinhas” e “petralhas”. A obra de mais de duas horas de duração, fruto de 400 horas de material filmado, perambula entre os dois lados do Fla-Flu político e extrai como resultado um filme que faz despertar gargalhadas de um lado, e catarse do outro.
O título do filme, que evoca o romance de Franz Kafka, entrega uma tese: a de que a ex-presidente foi julgada com requintes kafkianos, que é, aliás, a própria analogia feita em certo momento pelo senador petista Lindberg Farias, que compara Dilma ao protagonista desafortunado das páginas de “O Processo”.
O filme não contou com apoio de leis de incentivo; Foi financiado pelo World Cinema Fund, ligado ao Festival de Berlim, o Netherlands Film Fund, da Holanda, e teve coprodução do Canal Brasil e “crowndfunding”.
A documentarista não se escora em entrevistas, mas leva sua câmera a perambular como testemunha pela arena popular montada em frente ao Congresso e, sobretudo, pelos corredores do Senado -ela não teve autorização para circular pela Câmara dos Deputados, mas a folclórica votação que se deu naquela Casa em abril de 2016 é mostrada logo no início.
Desses bastidores, ela extrai o que costuma chamar de “teatro da justiça”: os ritos e idiossincrasias próprios aos meandros judiciais, só que agora no nível político. Os trabalhos de uma comissão chegam a ser comicamente interrompidos para que funcionários do Senado aumentem o volume da campainha que acompanha as sessões -é sobre esse tipo de absurdo que a diretora se detém, por exemplo.
Acolhida em reuniões dos petistas, sua câmera revela estratégias da defesa de Dilma e, muitas vezes, escancara a estafa. Ali reunidos os “protagonistas” ganham certos contornos na obra.
Lindberg se torna um aguerrido debatedor, José Eduardo Cardozo, o orador brilhante, dotado de argumentos lógicos e enfáticos; já Gleisi Hoffmann é dona de sensatez e de algum mea-culpa (“será que não nos distanciamos demais dos movimentos populares?”, indaga).
Do outro lado do ringue, não impera a mesma razoabilidade entre os personagens, mas sobrevêm absurdos e comicidade.
Ninguém ali personifica isso tanto quanto Janaína Paschoal, a criminalista autora do pedido de impeachment. Nas cenas, ela choraminga, fala de catolicismo, alonga os braços antes de fazer suas sustentações como se fosse começar exercícios físicos e é flagrada sorvendo um Toddynho enquanto se debruça sobre os autos.
Na sessão em Berlim, tomada em boa parte por espectadores brasileiros, a advogada virou alívio cômico. Bolsonaro e Aécio, motivos de vaias durante a projeção. Já os discursos de Dilma e as sustentações orais de Cardozo chegam como momentos de catarse.
Ao fim da sessão, após gritos de “Fora, Temer”, um espectador perguntou a diretora sobre o fato de o filme passar mais tempo com o lado petista. Ela argumentou que teve o acesso franqueado pelos dois lados em disputa -o que explica, por exemplo, o número de cenas retratando Janaína Paschoal.
Mas deixou claro que seu objetivo era “descontruir a narrativa oficial que se contava à época do impeachment”, isto é, “que ela [Dilma] teria cometido um crime.”
Duas horas antes da sessão, um grupo de cerca de 20 brasileiros residentes na Europa aproveitou a exibição de “O Processo” para fazer um ato pró-Lula em Potsdamer Platz, a praça que sedia o Festival de Berlim.
Sob frio de 4º C, empunharam faixas pedindo a anulação do impeachment de Dilma e fizeram discursos ao som do samba-enredo da escola Paraíso do Tuiuti e de canções de Geraldo Vandré e Chico Buarque.
A produtora cultural Rebeca Lang, 51, veio de Paris, onde mora há 30 anos, para participar do protesto. “Daqui de fora nós não vamos nos calar. Nosso papel como brasileiros expatriados é denunciar.”
O filme foi ovacionado; e a diretora, aplaudida de pé.
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