Eu e W. S. Solha temos algo em comum: não vendemos nossos livros
W. S. Solha é escritor, artista visual, ator de cinema e dramaturgo. Nasceu em São Paulo, radicado na Paraíba desde a década de 1960. Ele está com novo livro na praça. Mandou mensagem para os amigos e leitores, entre os quais me incluo, pedindo endereço para remeter a obra pelo correio. “Como não vou fazer lançamentos, nem colocar esse meu novo livro à venda, diga-me, por favor, seu endereço postal, para que eu lhe remeta a obra, sem quaisquer ônus”, informar Solha.
Eu também não gosto de vender livros ou promover noite de autógrafos. Na tal noite, o que você gasta paparicando os convidados é muito mais do que ganha com a venda de 30 ou 40 livros, quando vende! Há anos tive a infeliz ideia de levar um compadre meu para Itabaiana, esperando lançar seu livro em evento cultural naquela cidade. Para nossa perplexidade, só vendemos um único livro, assim mesmo fiado.
Eu não vendo meus livros. Eles circulam através de amigos, ou em promoções como a Gincana Cultural dos estudantes, badalação juvenil que inventei em Itabaiana, onde venderam mais de 300 exemplares de “A Voz de Itabaiana e outras vozes” em favor do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar.
Mesmo porque os livrinhos por mim lançados foram patrocinados por órgãos públicos. Esse da gincana teve a chancela do Banco do Nordeste do Brasil. Alguns amigos comercializaram uns exemplares para ajudar as ações do Ponto. Eu faço como Solha: aos raros compadres que me pedem, mando pelo correio. Se eu tivesse um esquema terceirizado profissional para comercializar os livros, tudo bem. Mas, sair vendendo livro, meu atestado de antecedentes não permite. Sou repreensor de uma determinada seita conhecida pela sua determinação em vender livros de porta em porta.
Mais fácil vender um rim. No meu reduto de conteúdos malucos, a Toca do Leão, publiquei anúncio de venda do rim, só de bandalheira. Pouca vergonha a que me permito na minha toca, com minha timidez, meus sonhos e invenções. Recebi mensagens de compadres e comadres preocupados com a possibilidade de eu vender um rim para pagar as contas do Ponto de Cultura.
“Pelo amor de Deus, não sacrifique um órgão tão importante, embora tenha dois. Seus amigos, entre os quais me encontro, tenho certeza de que todos estão dispostos a lhe ajudar a sair desse sufoco”, acudiu uma comadre minha, a inesquecível Lourdinha Luna. Respondi, tranquilizando: “É tudo lorota, caríssima! Não vou vender rim nem qualquer parte deste corpo velho. No máximo, posso ceder temporariamente a consciência, mesmo sem prestabilidade aparente”. Lourdinha foi sincera: “Fiquei na dúvida, porque todo poeta é doido, conforme dizia Celso Mariz, o historiador. Mas, doido no sentido de generoso, sonhador e magnânimo, que dá tudo de si para concretizar as utopias que pensa”.
Meu projeto de troca de livros usados tem estante na Justiça Federal em João Pessoa, na Rua João Teixeira de Carvalho, 480, no bairro Pedro Gondim. Atualmente moro na divisa entre Bananeiras e Solânea. Nessas cidades, montei pontos de troca de livros em quitandas de hortifrutigranjeiros. Em um desses pontos, comparece quase que diariamente um Testemunha de Jeová para deixar revistas doutrinárias da seita e levar bons livros que eu deixo na estante. Escambo escancaradamente desfavorável para este velhusco descrente.
Nessas trocas livres, tem sempre aqueles clientes de segunda linha. Um deles deixou uma agenda usada, do ano anterior, e levou Carlos Drummond de Andrade. Semana passada, encontrei na estante um livrinho de desenho infantil. O cara trocou as primeiras experiências estéticas traçadas no papel pelo seu infante por um exemplar das “Aventuras de Biu Penca Preta no reino da fuleragem”. Comportamento no mínimo bizarro. Algo assim como você trocar a coleção de cartas de suas namoradas por um exemplar do folheto “A mulher que levou cangalha do marido e sua jumenta”, autoria do cordelista mais brega do Brasil, meu compadre Bento Júnior.
Por Fábio Mozart