O Uruguai amanheceu de luto nesta quarta-feira (14) para se despedir de uma de suas figuras mais emblemáticas: o ex-presidente José “Pepe” Mujica, que faleceu aos 89 anos, a apenas sete dias de completar nove décadas de vida. O anúncio da morte, feito pelo presidente Yamandú Orsi por meio das redes sociais, mobilizou lideranças políticas de diferentes vertentes e emocionou o país.
Segundo a médica pessoal do ex-presidente, Raquel Penone, Mujica morreu às 16h de segunda-feira (13), em sua chácara nos arredores de Montevidéu. Ali, em meio à vida simples que escolheu para si, cercado de natureza e memórias, o ex-guerrilheiro, ex-preso político, parlamentar, presidente e camponês deu seu último suspiro.
O presidente Orsi se dirigiu pessoalmente à residência para apresentar suas condolências à ex-vice-presidente Lucía Topolansky, companheira de vida e de militância de Mujica. Os dois partilharam décadas de luta, tanto no clandestino Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros quanto na construção da Frente Ampla, coalizão de esquerda que governou o país por 15 anos.
Em janeiro deste ano, consciente da gravidade do câncer de esôfago que enfrentava desde abril de 2024, Mujica já havia deixado uma de suas últimas mensagens públicas: “Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso.”
O falecimento de Mujica motivou um decreto de luto oficial até o dia 16 de maio, com a bandeira uruguaia hasteada a meio mastro e a suspensão das atividades oficiais. A despedida pública ao líder terá início às 10h desta quarta-feira (14), quando seu caixão sairá da Torre Executiva, sede do governo, em uma caravana que passará por marcos de sua trajetória política: a sede do MLN-Tupamaros, da Frente Ampla e do Movimento de Participação Popular (MPP), grupo que liderou e que hoje é o mais votado da coalizão de esquerda.
O velório será realizado no Salão dos Passos Perdidos do Parlamento e poderá se estender até sexta-feira, em uma cerimônia aberta à população. Mujica expressou o desejo de ser sepultado em sua propriedade rural, no oeste da capital, onde viveu por décadas e recebeu, ainda recentemente, visitas de figuras como a ex-presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner.
A dimensão internacional da figura de Mujica se reflete nas autoridades que confirmaram presença nas homenagens. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia) viajarão a Montevidéu para prestar condolências. Cristina Fernández também participará da despedida ao companheiro de ideias e de jornada latino-americana.
De distintos campos políticos, o reconhecimento ao legado de Mujica foi unânime. O presidente da Frente Ampla, Fernando Pereira, declarou: “Está morrendo o uruguaio mais reconhecido do mundo, ativista social e exemplo de austeridade.” Já o ex-presidente Luis Alberto Lacalle, adversário histórico, reconheceu a influência de Mujica no cenário político e social do país.
A trajetória de José Mujica é inseparável da história recente do Uruguai. Integrante da guerrilha urbana nos anos 1960 e 70, foi preso político durante a ditadura por mais de uma década, período em que ficou confinado em condições desumanas. Após a redemocratização, ingressou na política institucional, foi eleito deputado, senador e, finalmente, presidente da República (2010–2015). Durante seu governo, promoveu políticas progressistas e tornou-se um símbolo mundial de humildade e coerência.
Com suas roupas simples, seu Fusca azul e sua linguagem direta, Mujica se tornou referência global de autenticidade na política. Defensor incansável da justiça social e crítico do consumismo, foi reconhecido por seu modo de vida austero e por frases memoráveis. Embora tenha deixado os cargos públicos, jamais deixou de influenciar o debate político regional com suas ideias.
A morte de Mujica encerra um ciclo no Uruguai e na América Latina. Mas, como todo símbolo, ele permanecerá vivo nas lembranças de quem acredita que política se faz com alma, e que “o poder não muda as pessoas, só revela quem elas realmente são” — como gostava de repetir.
Com Brasil 247