TOCA DO LEÃO

Edição esgotada

Eu sou um grande escritor, poeta, memorialista e cronista dos melhores do Brasil, conforme acredita um amigo meu. Não concordo. Sou um escritor que ainda não existe. É trágico e engraçado, mas verdadeiro. Ando me construindo como escritor há uns 50 anos, quando comecei a editar jornais e escrever uns poemas tão ruins que não passam de crimes infanto-juvenis premeditados. Copiando o poeta Naldo Velho: “Crime premeditado/de quem assumiu a condição de poeta/e que sendo por natureza um tolo/fez da palavra um consolo/pois a sentença final é: culpado!

Tentei ser um poeta moderno, ultrarromântico e depois ultracínico. Mergulhei na poesia de protesto, escrevi um poema chamado “Pátria armada” que rendeu um livrinho magro e desidratado. Depois, me afundei nas rimas do cordel, com muito gosto. Ensinaram-me que sujeito metido a intelectual não deve se meter em poesia popular, que é seara alheia. Trata-se de uma espécie de aviltamento da arte dos poetas repentistas ou de bancada, como costumam designar o trovador que escreve os chamados folhetos de feira. Eles, os menestréis de rua, violeiros e versejadores do povo, que me desculpem, mas passei a gostar de construir sextilhas. Dou-me o prazer de fazer meus versinhos de pé quebrado, conforme aconselha Mário Quintana: “Todos deveriam fazer versos, ainda que saiam maus. É preferível para a alma humana fazer maus versos a não fazer nenhum. Qualquer poema é uma aventura, boa ou má”.

Uma ideia que povoou meu imaginário de infância: só considerava escritor o cara que editava livros de capa dura. Conforme fui crescendo e vendo como se joga o jogo do rato, passei a ter a certeza de que o verdadeiro escritor é aquele que não paga para imprimir seus livros e ainda ganha dinheiro. Nunca mercadejei com minhas obras recalcitrantes, mas tenho o orgulho besta de afirmar que também jamais tirei dinheiro do bolso para editar livros que aos trancos e barrancos vieram à luz. Mesmo porque, nem sou mágico para tirar capital excedente dos meus mal providos bolsos. Para ser mais exato, é no tesouro do Estado onde busco recursos para as publicações. O Governo financia meus livros, que são distribuídos quase de graça.

O Governo criou projetos de inclusão social dos escritores medíocres, e é nesses que me encaixo. Em 2005, a prefeitura de São José dos Ramos me convidou para produzir um livro sobre o poeta repentista Manoel Xudu, cidadão daquela cidadezinha no agreste da Paraíba. No país de 50 milhões de analfabetos, a simples disposição de uma prefeitura do interior de publicar livro sobre seu artista mais ilustre só é possível pela dedicação de uns poucos e pelos raros clarões de lucidez dos homens públicos, que é o caso do meu amigo Azenildo Ramos, prefeito na época.

O livrinho “Manoel Xudu, o príncipe dos poetas repentistas” esgotou sua edição lá mesmo, em São José dos Ramos, e me colocou como o primeiro biógrafo do famoso e genial poeta de São José de Pilar, como era conhecida a antiga vila, hoje São José dos Ramos. O livrinho é conhecido, graças ao fenômeno da internet. Recebo constantemente pedidos de todo o Brasil, mas não disponho de nenhum exemplar. Recentemente, um cantador repentista chamado Felipe Canário do Reino, aquele que canta em qualquer lugar, até na quebrada de Tim Maia, esse poeta mora em Chã de Alegria, zona da mata norte de Pernambuco, e me pediu exemplar do livro de Manoel Xudu, dizendo-se fã ardoroso do bardo pilarense.

O prefeito Azenildo, na apresentação do livro: “Este verdadeiro tesouro de poesia popular está aqui publicado, com notas sobre a biografia de Xudu. Sinto-me honrado por apresentar este trabalho, que contribui decisivamente para a difusão da cultura e resgate da memória cultural e social de São José dos Ramos, esta pequena cidade que serviu de berço ao grande Manoel Xudu. Contamos com a solicitude e a boa vontade da Associação Cultural Poeta Zé da Luz, localizada na vizinha cidade de Itabaiana, à qual agradeço, tendo certeza de que esse projeto culminará na fundação de nosso Centro Cultural Manoel Xudu, um sonho que esperamos ser realizado em breve”. Vinte anos depois, o sonho de Azenildo vive apenas no seu pensamento. De minha parte, tenho a imodéstia de pensar que, em cada casa de São José do Ramos se encontra um exemplar do meu livro.

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Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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