Dunga cutuca Felipão e não deixaria Neymar e Daniel de ‘loiros’ na Copa
Durante a primeira passagem pelo comando da seleção brasileira, Dunga teve muitos problemas com a imprensa e fechou as portas da concentração do Brasil para as entrevistas exclusivas, privilégio que a TV Globo sempre teve. De volta ao cargo, o treinador, que só havia concedido entrevista coletiva até aqui, saiu da rotina para falar exatamente com a emissora carioca.
No bate-papo exibido neste domingo no Fantástico, Dunga mostrou-se bastante crítico aos aspectos extra-campo da seleção brasileira durante a última Copa do Mundo. A edição da reportagem não mostrou perguntas relacionadas a questões táticas, mas o treinador falou sobre Neymar. E indicou uma postura diferente da de Felipão.
“(Neymar) É referência mundial. O que a gente quer é não jogar em função do Neymar. O Neymar vai jogar em função do Brasil. Vai criar uma estrutura para ele fazer a diferença”, explicou o novo técnico da seleção brasileira.
Nas entrelinhas, Dunga disparou muitas críticas a Neymar. “O foco maior tem que ser a seleção brasileira. Quando for dar a entrevista tem que dar com o chapeuzinho da seleção brasileira. Eles vão com a cara limpa. Tem que ter marketing pelo futebol, pela qualidade”, argumentou, numa clara referência a Neymar, que usou bonés da sua marca durante as entrevistas coletivas na Granja Comary.
O treinador cobrou que os jogadores tinham que pensar na Copa do Mundo, deixando “marketing, família” para depois. E foi pontual ao dizer que Neymar e Daniel Alves deveriam ter modificado o penteado antes ou depois da Copa, não durante ela. “Tem que falar muito mais do que eu faço no campo do que eu faço extra campo”, apontou.
Outra crítica de Dunga foi com relação à emoção demonstrada pelos jogadores durante a execução do Hino Nacional antes das partidas. “É legal, mas quem está ali dentro não pode se emocionar muito. Essa exposição deve ter atrapalhado um pouquinho.”
Perguntado se vai convocar David Luiz, também aproveitou a chance para fazer críticas a um dos seus futuros comandados. “Ninguém tem lugar garantido na seleção. Fantástico essa integração do torcedor com o jogador, mas o jogador tem que jogar por eficiência, não porque vende uma imagem.” A crítica vem porque o zagueiro se transformou em paixão nacional durante a Copa, carismático, mas foi muito mal na reta decisiva.
Na saraivada de críticas, sobrou até para Felipão. Para Dunga, o correto era o treinador da seleção brasileira falar, antes da Copa, que o Brasil vai “jogar para ganhar, não que vai ganhar”. “Mas cada um cada um”, ponderou.
CONFIRA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:
O retorno do Dunga ao comando da Seleção, oficializado esta semana, pegou muita gente de surpresa. Quem poderia imaginar que ele, tão criticado na Copa da África, receberia outra chance?
Dunga disse ao Fantástico que, na nova administração, vai exigir dos jogadores mais foco e autocontrole. Um longo trabalho que começa agora para reconquistar a confiança do torcedor.
Fantástico: Dunga, você está tendo uma oportunidade que pouquíssimos profissionais têm, voltar à seleção brasileira. O que nesse momento não sai da tua cabeça, que você quer muito conseguir realizar?
Dunga: Eu quero começar logo os jogos, assim acaba a polêmica.
Falta pouco mais de um mês pro Dunga ficar na beira do campo, comandando a seleção brasileira. Como ele fez de 2006 até o mundial de 2010. Depois disso, treinou o Internacional por um ano e foi campeão gaúcho de 2013.
Fantástico: Como você se preparou nesses quatro anos em que você ficou fora da seleção?
Dunga: Eu lia muito, via muitos jogos, via treinamentos, acompanhava. Trocava muitas informações, principalmente com o pessoal da Europa.
Como vai ser a nova seleção do Dunga? O que ele não gostou de ver na última Copa dá pistas.
Fantástico: Você disse agora que não era para falar de terra arrasada, que não é assim.
“A partir dessa Copa do Mundo, a gente não pode colocar como terra arrasada, teve muitas coisas boas, teve outras que a gente tem que modificar”, disse Dunga na apresentação terça-feira.
Fantástico: Dá um exemplo pra gente de uma coisa que você vai mudar.
Dunga: O foco maior tem que ser a seleção brasileira. Quando você for dar entrevista, você tem que dar entrevista com o chapeuzinho da seleção brasileira. Ou não dá. É notório que quando as outras equipes vão lá, os caras vão com a cara limpa. Então o Brasil tem que ir com essa cara limpa. O Brasil tem que ter o marketing pelo futebol, pela qualidade.
Fantástico: Como assim?
Dunga: As pessoas têm que falar muito mais do que eu faço no campo do que eu faço extracampo.
Fantástico: Então você diria, durante a Copa, se você tivesse lá: “Ô, Daniel Alves, ô, Neymar, não pinta o cabelo agora não”.
Dunga: Sem dúvida, acho que tem que ser concreto. Ou antes ou depois. Eu tenho que pensar na Copa do Mundo. Os problemas que eu tenho de contrato, de marketing, de família eu resolvo antes de chegar na seleção ou depois. Trinta dias não vai mudar.
Fantástico: O que você não repetiria, por exemplo, que foi feito na Copa do Brasil?
Dunga: Isso é uma polêmica, né? Eu acho que num certo momento, a seleção brasileira tem que ter uma privacidade.
Fantástico: Mas o que dizer dos holandeses, dos alemães que tiveram toda aquela liberdade, pareciam estar bem à vontade, inclusive nos momentos de lazer e de treino?
Dunga: Perfeito. Só que eles tinham essa privacidade quando eles saíam fora do muro deles. Aí eles tinham essa exposição da mídia. O treinamento deles teve pouco.
O treinador quer orientar os jogadores com relação a alguns comportamentos. Como, por exemplo, a emoção na hora do hino à capela.
Dunga: Se criou isso do hino nacional desde a Copa das Confederações, que acabava o hino e o torcedor continuava cantando. Isso mais ou menos introduziu dentro da seleção brasileira. Que é legal, mas quem tá ali dentro não pode se emocionar muito. Tu tem que criar uma barreira. Essa exposição acho que deve ter atrapalhado um pouquinho.
Fantástico: Faltou equilíbrio emocional em alguns momentos dessa Copa?
Dunga: É difícil de dizer porque tu não tá lá diariamente. Talvez tenha se sentido um pouco essa ansiedade que criou a expectativa de que o Brasil tinha que ganhar de qualquer forma. E não é assim.
Fantástico: A comissão técnica anterior vendia o favoritismo da seleção. O Felipão e o Parreira falavam do favoritismo da seleção. Você não faria o mesmo?
Dunga: Você tem que jogar com as palavras. Vamos jogar pra ganhar. É diferente de você: vamos ganhar. Quando você fala afirmativo não tem outra forma.
Fantástico: Você faria diferente, então?
Dunga: Cada um é cada um. Eu ia falar que o Brasil ia jogar pra ganhar, que a gente joga em casa, é favorito, como sempre o Brasil é.
Fantástico: Dunga, que nota você daria ao técnico Luiz Felipe Scolari?
Dunga: O cara foi campeão do mundo cara, campeão do mundo não se discute. Você paga pelas suas decisões, bem ou mal. E ele teve a hombridade de chegar e é isso, eu que estou aqui pra tomar as decisões e tomei.
Se a seleção começou a Copa com algum favoritismo, foi embora humilhada. Dunga estava no Mineirão quando o Brasil foi derrotado por 7 a 1 pela Alemanha.
Dunga: Eu senti o que o torcedor, o que todo mundo sentiu. Ninguém estava acreditando. Era um apagão. Ninguém acreditava.
Fantástico: Um técnico consegue, na hora de um jogo como esse, prever isso que vai acontecer? Perdemos o controle?
Dunga: Ninguém espera, acho que ninguém tá preparado pra isso. Até porque você sabe os jogadores que tem em mãos, que você trabalhou, jamais você iria imaginar esse tipo de coisa. Eu acho que até o treinador tá perplexo. Impossível.
Mas, para o novo técnico, faltou uma chacoalhada naquele momento.
Dunga: Se não tiver um pra dá-lhe um berro. E uma coisa assim que tem que ter em qualquer grupo, qualquer grupo, não tem jeito, eu não tenho que ficar melindrado de chamar atenção de mandar para aquele país. Não, não tem esse negócio, porque se eu não te mandar outro vai perder e eu também vou perder, então não! Acho que isso tá faltando um pouco no futebol em geral do Brasil moderno, quando tem essa exposição na mídia, essa grande exposição, então todo mundo tá muito com dedinho para chamar atenção do outro.
Fantástico: Você diria que o futebol brasileiro está no pior momento da sua história?
Dunga: Não, não seria tão crítico assim. Porque nós temos jogadores na Europa, temos qualidade. Nós temos que apagar esse resultado com a Alemanha, que foi uma coisa atípica. Que não vai acontecer.
Para Dunga, o desempenho no mundial não significa que o futebol brasileiro esteja ultrapassado.
Dunga: Não é que o Brasil esteja defasado. O problema do Brasil é que os jogadores com 14, 16 anos, 17 anos começam a sua formação e já vão pra Europa. Se nós pegarmos esses jogadores que foram pra Europa nenhum deles é titular absoluto na sua equipe. Então o Brasil começa a perder nesse aspecto.
Fantástico: Dunga, no caminho pra cá, todo mundo parou para conversar comigo e com a Renata. E muita gente quis perguntar. Topa responder o pessoal?
Dunga: Topo.
Menino: Eu queria saber qual vai ser a formação e se ele vai convocar o Fred.
Dunga: A formação ainda ela vai acontecer com o passar dos amistosos, dos jogos, a gente tentar achar uma formação.
Fantástico: Tática ideal.
Dunga: Os jogadores ideal. Quanto ao Fred, é um grande atacante, não teve o resultado esperado por todos na Copa do Mundo. Na outra Copa vai estar com 34 anos, 35, vai ser difícil, né? Então vai depender muito do momento dele lá na frente.
A primeira convocação de Dunga será para o amistoso contra a Colômbia, em 5 de setembro.
Fantástico: Adianta um que vai ser uma surpresa pra seleção! Tem um mês já da convocação. Um mês.
Fantástico: A lista da primeira convocação você já tem ela pronta?
Dunga: Não. Tenho três jogadores em cada posição.
Fantástico: Então diz um pra gente. Dois, vai! Além do Neymar.
Dunga: Não, vocês vão pesquisar. São jogadores jovens que tão na Europa, que tão tendo bom rendimento. A gente tá seguindo né juntamente com os jogadores brasileiros também.
Dunga: Tu não pode em nenhum momento se comprometer e também sabe criar o friozinho na barriga. Ele tem que ficar até o último dia, até o último segundo esperando o nome dele sair.
Uma jovem torcedora tem outra pergunta pro Dunga.
Menina: Dunga, você vai chamar o David Luiz?
Dunga: Vou escalar todos aqueles jogadores que tiverem aptos. E tiverem realizando aquilo que nós desejarmos. Ninguém tem lugar garantido na seleção. E volto a repetir: fantástico essa integração de torcedor com jogador. Mas o torcedor tem que entender que o jogador tem que jogar por eficiência, por capacidade. Não porque ele vende uma imagem que é bonita, é legal.
Fantástico: Então, Emily, tá garantido não.
Mas o Dunga dá algumas dicas sobre futuros convocados. São jogadores que, segundo ele, poderiam ter sido chamados para a Copa este ano.
Dunga: O Cruzeiro foi campeão brasileiro tinha bons jogadores, o Atlético de Madrid tinha bons jogadores que poderia tá também, mas será que ia mudar o resultado?
O Felipe Luis que era do Atlético de Madrid e foi para o Chelsea e o Miranda, que continua no Atlético, por pouco não jogaram a Copa. Estavam na lista de sete jogadores que poderiam substituir um dos 23 convocados que se machucassem. O Everton Ribeiro foi eleito o craque do brasileirão do ano passado. Estariam aí algumas pistas?
Fantástico: O Neymar é o pilar da seleção?
Dunga: É a referência mundial.
Fantástico: Então a seleção continua tendo o Neymar, joga em função do Neymar?
Dunga: Eu diria diferente. Não jogar em função do Neymar. Mas o Neymar jogar em função da seleção. O Brasil vai criar uma estrutura pra que ele possa ser o diferencial.
Fantástico: O Neymar disse, numa entrevista pra gente, pro Fantástico, que muitas vezes os jogadores aprendem errado nas categorias de base. Você concorda?
Dunga: Num certo ponto de vista, sim. Nós temos que dar subsídios pro menino de 14 anos dele gostar de futebol, dele gostar de estar dentro de campo. Nós temos que dar açúcar na boca dele, chocolate na boca dele, gostar de futebol. Se eu começo com 14 anos só parte tática, com 18 anos ele já tá saturado.
Já no futebol profissional – e na seleção – a tática tem papel importante.
Dunga: O futebol não mudou. O que decide o futebol é talento. O que decide é qualidade técnica.
Em 2010, a seleção que dirigia foi eliminada pela Holanda. Dunga tem lembranças amargas desse jogo.
Dunga: Eu não gosto de colocar a culpa em ninguém tá, mas o juiz japonês deu o primeiro cartão amarelo pro Michel Bastos. Ele anulou um gol do Robinho. Pênalti no Kaká. Então, pô… E o pior disso: encontrei ele no aeroporto no Rio, tive que cumprimentar ele.
Fantástico: E ele falou alguma coisa?
Dunga: Não, só veio falar comigo perguntou se eu lembrava dele e eu falei que não.
Fora de campo, Dunga diz que nos últimos anos trabalhou para melhorar a relação com a imprensa, coisa que não aconteceu na primeira passagem dele pela seleção.
Fantástico: O que você fez, especificamente?
Dunga: Você conversar com as pessoas que estão ao teu redor, pessoas que já foram do futebol e outras não, e eles te dar alguns toques importantes. Principalmente, quando o cara fizer uma pergunta que é maldosa e eu ter a paciência de pensar e responder. E não ser gaúcho na ponta da faca e responder na hora. E que algumas respostas você não precisa nem dar, porque não vai mudar a opinião da pessoa.
Esta semana foi noticiado que Dunga teria sido agente do jogador Ederson, em 2004, antes de virar treinador.
Fantástico: Você nega que tenha exercido o papel de agente de jogador?
Dunga: Em 2004, eu parei de jogar futebol. Me foi procurado por uma pessoa do Rio Grande do Sul pra mim apresentar um investidor da Europa, eu vim apresentei o investidor da Europa.
Por essa apresentação, Dunga recebeu mais de R$ 400 mil.
Fantástico: Isso não é um agenciamento?
Dunga: Não, porque eu fiz uma apresentação. Isso aí fora da negociação, aí o clube negociou diretamente com o empresário.
Mais uma pergunta da torcida: Gostaria de perguntar se ele vai continuar com a mesma estilista da outra vez, pois o destaque dele é nas roupas que ele aparecia no campo.
Dunga: A minha filha, nunca. Ela é estilista feminina. Não é masculina. O que eu coloquei alguma vez é que ela me dava algumas sugestões que comprava, mas não era ela que me vestia. Por mais que você fale pro pessoal, não é minha filha, ela é estilista feminina, continuam dizendo.
Fantástico: Isso nunca existiu?
Dunga: Nunca existiu.
Fantástico: Mas a gente viu a mudança. Qual vai ser o Dunga nessa nova passagem pela seleção. O Dunga fashion ou o Dunga mais… Nessa última apresentação estava mais tradicional.
Dunga: Vai depender do momento.
Fantástico: Dunga, você teme a desconfiança da torcida brasileira?
Dunga: Eu não temo, ela tem. Ela não existe comigo, ela existe com todos os treinadores. Mais ou menos ela existe. O que pode mudar é o resultado dentro de campo.
A primeira pessoa que veio falar com a gente no aeroporto do Rio mandou uma mensagem não muito legal pro Dunga.
Fantástico: A gente vai falar com o Dunga. Quer perguntar alguma coisa pra ele?
Senhora: Não. Não queria que ele fosse escolhido, não.
Fantástico: O que você diria pra ela?
Dunga: Que eu vou mudar a opinião dela! Que a gente possa se encontrar, que tu possa encontrar ela e ó, eu estava errado.
Fantástico: Depois de tudo isso que a gente conversou o Dunga deixou de ser o Zangado?
Dunga: Não, porque eu sempre fui o zangado. Trocaram o meu nome, não era Dunga era Zangado.
Fantástico: Erraram o seu apelido?
Dunga: Erraram o meu apelido.
Fantástico: O Dunga não vai passar a ser o Feliz?
Dunga: Sendo Dunga já tá bom né. Feliz tu já quer o extremo. Saiu do Zangado pro Feliz. Vai ficar no meio: Dunga.
Fantástico