JUSTIÇA

DIFAMAÇÃO SOB ENCOMENDA – Jornalista Bolsonarista Preso pelo STF suspeito de vender ataques contra Empresas

Empresas dizem que Oswaldo Eustáquio mentiu em matérias para favorecer concorrente. Mulher dele, assessora da ministra Damares Alves, pagou a divulgação de grupo beneficiado pelos ataques.

O jornalista, ativista e militante bolsonarista Oswaldo Eustáquio Filho é acusado na justiça de publicar reportagens mentirosas para atacar a reputação de ao menos duas empresas que disputam licitações públicas. Os textos acusam as firmas de serem “laranjas” de uma das maiores companhias do mercado financeiro brasileiro e de participarem de fraudes. A suspeita é de que Eustáquio agiu em favor de uma concorrente dessas empresas, a Infosolo, que disputa um mercado de pelo menos R$ 100 milhões ao ano.

O pagamento pelas reportagens seria maquiado com serviços de divulgação prestados por Eustáquio a subsidiárias da Infosolo. O envio de ao menos um dos press releases a veículos de comunicação foi pago por Sandra Terena, mulher de Eustáquio e assessora especial da ministra Damares Alves. Sandra Terena já estava lotada no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos quando o dinheiro saiu de sua conta. Em maio, o salário líquido da assessora no ministério foi de R$ 17.030,07.

A Infosolo, que mudou de nome e atualmente se chama Logo IT, confirmou ao Intercept ter contratado os serviços do jornalista. Ela é uma das principais fornecedoras de tecnologia da informação a Departamentos de Trânsito do país. Seus concorrentes foram atacados pelas reportagens de Eustáquio, conforme acusação formal na justiça à qual tivemos acesso.

Nos textos que são contestados nos tribunais, Eustáquio acusa as empresas Tecnobank, Place TI e B3 de corrupção. O ativista afirma nas matérias ter provas e gravações contra as empresas a quem acusa, mas jamais as publicou. O código de ética dos jornalistas é claro ao afirmar que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”.

Boa parte das matérias, publicadas num pequeno jornal da região metropolitana de Curitiba chamado Agora Paraná, foi retirada do ar. O sumiço foi notado logo após o jornalista ser preso por ordem do Supremo Tribunal Federal. Conseguimos baixar cópias das publicações graças a sites que armazenam links removidos da internet.

Não é comum que veículos de imprensa apaguem conteúdos sem dar explicações. Em casos de erros ou omissões em matérias, a prática usual é fazer os ajustes e correções necessários e que uma explicação a respeito do que foi alterado seja incluída nos próprios textos.

Em outra das matérias apagadas, Eustáquio ataca uma terceira concorrente da Infosolo, chamada HD Soluções. “Após oito meses de apuração, o núcleo de jornalismo investigativo do Agora Paraná percorreu o Brasil em busca das registradoras fantasmas”, ele afirma no texto de abril passado, que ainda pode ser lido num site apócrifo de Curitiba. O veículo não tem expediente, o que torna impossível saber quem são os jornalistas responsáveis pela publicação.

Entramos em contato com o Agora Paraná para saber como eram feitas as checagens internas das reportagens de Eustáquio, e também como funcionava o núcleo de jornalismo investigativo que ele dizia comandar. “Ele mandava as matérias para o jornal e a gente publicava. Não tínhamos um núcleo [de jornalismo investigativo]”, nos disse o empresário Sady Ricardo dos Santos, proprietário do Agora Paraná. “Precisava ver certinho com o advogado dele o que falar”, titubeou Santos, antes de admitir que não pagava pelos textos produzidos por Eustáquio. “Ele não está na minha folha de pagamentos”.

O dono do jornal também falou que não custeou as viagens do jornalista para a apuração das reportagens. “Nunca paguei viagem dele”, afirmou. No vídeo que acompanha o texto no qual o jornalista ataca as concorrentes da Infosolo, Eustáquio afirma que visitou “várias empresas no Brasil”.

Em seu site, o Agora Paraná publica basicamente matérias de divulgação produzidas por assessorias de imprensa de prefeituras e do governo do estado. Não é possível encontrar ali o nome de um editor responsável. A página informa que só há atendimento no pequeno jornal de segunda a sexta-feira das 13 às 18 horas.

Santos creditou à jornalista responsável pelo conteúdo do Agora Paraná a decisão de tirar as matérias do ar após a prisão de Eustáquio. “Não gostei muito, mas não tinha como repor”, falou, garantindo que não agiu a pedido da defesa do jornalista e ficou insatisfeito com a decisão. “Ele me dava boa audiência”.

Em seu depoimento à Polícia Federal, Eustáquio disse receber R$ 12 mil mensais e ser repórter do Agora Paraná e de uma emissora de rádio de Goiás chamada Positiva FM. Ele também diz fazer trabalhos freelancer de comunicação e assessoria de imprensa. Telefonamos para a redação da Positiva FM em busca de informações sobre a situação contratual do jornalista. Ouvimos que ninguém o conhece por lá. Procuramos então o advogado da emissora, que afirmou não haver qualquer registro de pagamento efetuado a Eustáquio, e que ele não consta da folha de pagamentos da empresa.

O dono do Agora Paraná disse que o dinheiro de Eustáquio vem de publicidade na internet. “Ele tem uma renda maravilhosa em cima da popularidade e do número de visitas que tem através do Google”, afirmou. “Tem matérias que ele fez no meu jornal que ultrapassou 2 milhões [de acessos]”.

Por telefone, Eustáquio nos disse que recebe dinheiro dos veículos em que atua – mencionou o Agora Paraná e a Positiva FM, além de outros cujos nomes não citou – e de “crowdfundings” na internet. “Não tenho que pedir dinheiro pra viajar. As pessoas dão dinheiro nas vaquinhas, mas não é vaquinha, é tipo um crowdfunding”, disse. “Não sou milionário, não sou rico, mas dinheiro pra passagem, pra essas coisas assim, sobra na minha conta”.

Em busca na internet, no entanto, não encontramos sites com arrecadação de dinheiro diretamente pra ele. Além disso, quando trabalham para um veículo, jornalistas habitualmente têm as viagens a trabalho financiadas pelos empregadores ou contratantes. Dissemos a Eustáquio que o dono do Agora Paraná negou ter feito pagamentos a ele, seja por matérias ou de despesas decorrentes delas. Ainda assim, ele tergiversou: “Será que você fez a pergunta da maneira correta?”.

Ao menos no que diz respeito a suas fontes de renda, o jornalista parece ter mentido à PF. Apuramos que a movimentação financeira dele em breve estará nas mãos dos procuradores que o investigam. A quebra do sigilo bancário já foi autorizada.

https://theintercept.com/2020/07/20/fake-news-oswaldo-eustaquio-damares-sandra-terena-infosolo/

 

Redação DiárioPB

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