TOCA DO LEÃO

De como a cachaça salvou o PT

Fábio Mozart

Arte: Sérgio Ricardo/DIÁRIOPB

Esse episódio se passou na cidade de Itabaiana, começo dos anos 80. Foi crime de falsidade ideológica, mas já está prescrito, conforme entendimento do bacharel e delegado de polícia Joacir Avelino, um dos envolvidos no fato delituoso. Deu-se que um grupo de moços sonhadores e chegados a uma farrinha resolveu organizar o Partido dos Trabalhadores na terra de Sertão, que foi o cara mais preguiçoso da história desse lugar.

Naquele tempo, o país saía de uma ditadura feroz, de direita. As pessoas ainda guardavam o medo das prisões e perseguições do regime militar. “A ditadura é um estado em que todos têm medo de um e um tem medo de todos”, conforme escreveu o escritor italiano Alberto Moravia.

Sendo assim, ninguém queria se filiar ao novo partido que estava surgindo, liderado por um sindicalista barbudo, mal encarado, nordestino e chegado a uma biritazinha. Só por gostar de cana, Lula já recebia nosso integral apoio. Mas falando sério, o grupo de rapazes começou a enfrentar os tais “trâmites burocráticos” para registrar o partido no Município. Precisava de 70 filiações, no mínimo. Começamos pelas famílias. Cada um procurou converter o pai, a mãe, os irmãos, as namoradas e amigos em militantes petistas.  Depois partimos para o campo de guerra, as mesas de bares e pensões. Assim, assinaram ficha desde o bebinho do boteco até a rapariga semi-analfabeta, depois de umas três ou quatro meiotas.

No dia da convenção do partido, lá estavam eu, Roberto Palhano, Joacir Avelino e mais meia dúzia de gatos pingados e desconfiados. A Justiça Eleitoral escalou o fiscal Ananias para observar a convenção. Ananias ficou meio cabreiro, porque deu meio-dia e não apareceu quase ninguém para votar, ameaçando o quorum. A Comissão convidou então o fiscal para tomar a caninha do almoço na venda do Berto. Foi nossa chance para pegar o livro de ata e sair de casa em casa pegando as assinaturas. Quando o fiscal voltou, já um tanto alegre e expansivo, admirou-se do número de votantes que constava na ata.

Foi um caminhão de militantes que veio dos sítios, o pessoal votou e foi embora – explicamos.

Ananias deu o aval, legalizando a Convenção. Depois de uns tragos, nosso fiscal esqueceu o preconceito contra o novo partido, ajudando a legalizar o PT, mesmo desconfiando de que foi personagem de uma farsa.

Percival Maricato, no prefácio do livro “Hic!stórias – Os maiores porres da história da humanidade”, de Ulisses Tavares, cita alguns benefícios da bebida: “Bilhões de vezes, nos últimos milhares de anos, houve declarações de amor e consequente continuidade da espécie com porres homéricos”. Eu acrescentaria que um dos benefícios da bebida também é gostarmos mais da humanidade, até tolerar quem a gente não gosta, e, conforme o episódio aqui narrado, ajudar na organização política dos chamados menos favorecidos na escala social.

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Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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