CPMI do 8 de janeiro pede indiciamento de Jair Bolsonaro, colegiado aprovou relatório por 20 votos a 11 e uma abstenção
Depois de mais de sete horas de discussão, a CPMI do 8 de Janeiro aprovou, nesta quarta-feira (18), o relatório final da comissão. Por 20 votos favoráveis, 11 contrários e nenhuma abstenção, os parlamentares referendaram o parecer da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) pedindo o indiciamento de 61 pessoas, entre as quais o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mesmo sob pesado protesto da oposição, que votou contra o texto final, o relatório aprovado será encaminhado para a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF) para que aprofundem investigações e apurem as responsabilidades.
— O relatório foi subsidiado e construído também por uma equipe da mais alta qualidade, servidores do Senado, da Câmara, da Polícia Federal, do TCU, servidores da Controladoria-Geral da União, do Banco Central, da Receita Federal, servidores de órgãos de fiscalização e controle. São servidores com o mais profundo conhecimento e qualificação técnica, ou seja, o que está consignado aqui foi construído a várias mãos — disse Eliziane.
Durante as mais de 45 falas de parlamentares na reunião final, ficou evidente a divergência entre governistas e a oposição sobre os responsáveis pelos ataques aos palácios dos três Poderes no dia 8 de janeiro e em relação às possíveis omissões do governo federal para evitar a depredação dos prédios públicos. Enquanto a base do governo elogiou e classificou o relatório como “peça histórica em defesa da democracia”, os oposicionistas criticaram o documento, tachando-o de parcial e considerando que apresenta “erros graves” por ter se desviado do objeto determinado da CPMI.
— 8 de janeiro nunca mais! — disse o presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (União-BA), antes de divulgar o placar da votação.
Na avaliação dos senadores e deputados da base governista, o parecer coloca de forma substanciada a linha cronológica dos atos preparatórios, as ações que se antecederam, até se chegar ao ataque do 8 de janeiro.
De acordo com o senador Rogério Carvalho (PT-SE), o relatório fornece subsídio às instituições para que os 61 indiciados respondam por associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado. Em sua opinião, as evidências indicam que houve uma tentativa de destruição da democracia através da instrumentalização do Estado e da cooptação da ala militar. Assim, afirmou ele, o relatório da senadora Eliziane representa a realidade dos fatos e será uma grande contribuição para a história do país.
— Antes, tentaram questionar as urnas, porque sabiam que seria difícil ganhar as eleições no voto. Aí questionaram as urnas e fizeram reunião com o Comando Militar para definir um golpe. E isso não é conversa; isso está dito, isso está registrado, isso foi vivenciado, foi visto, foi ouvido, foi presenciado e foi denunciado em juízo. Então, não tem aqui versão; são dados fáticos. Não há questionamento sobre isso. Eu quero dizer que esta CPI coloca em evidência toda a construção golpista do Governo Bolsonaro e coloca em tela para o povo brasileiro acompanhar.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) afirmou que, com a aprovação, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) vão ter ainda mais amparo legal para não promover qualquer anistia a quem esteve envolvido com a autoria intelectual, o planejamento e a execução dos ataques. Caso seja condenado, salientou o deputado, o ex-presidente pode pegar até 29 anos de prisão.
— Seu relatório, senadora Eliziane, está sendo atacado porque coloca exatamente o dedo na feriada, explicando o que é o núcleo duro [dos atos antidemocráticos]. Pela primeira vez, peixes grandes não serão anistiados no nosso país a partir de uma tentativa de golpe.
Cúpula militar
Além do pedido de indiciamento do ex-presidente, o documento traz ainda como indiciados integrantes militares do governo Bolsonaro próximos a ele, como o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa general Walter Braga Netto; o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno; o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência general Luiz Eduardo Ramos, e o ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid. No total, o relatório pede o indiciamento de oito generais das Forças Armadas.
O senador Sérgio Moro (União-PR) acredita que o fato de as Forças Armadas não terem declarado qualquer apoio a uma possível tentativa de golpe antidemocrático indica que os ataques aos prédios públicos em si não tinham potencial para executar uma tomada do poder. Ele criticou a quantidade de membros das Forças Armadas indiciados e classificou o documento como uma espécie de “revanchismo” do atual governo contra os militares:
— Ainda assim, o relatório culmina por propor o indiciamento de oito generais das Forças Armadas. Claro que as Forças Armadas merecem respeito. Não precisam ser tratadas como instituição sagrada, acima da lei, mas, para que nós possamos propor o indiciamento de generais da cúpula, almirantes da cúpula das Forças Armadas, nós precisamos ter evidências concretas. E o que o relatório basicamente coloca? “Ah, que foi conversado; ah, que foi minutado; ah, que foi cogitado; ah, que, em conversas em aplicativos de mensagens, tipo WhatsApp, algumas pessoas sugeriram a prática de um golpe de Estado”. Mas houve uma ação concreta, uma movimentação concreta por parte dos generais a que se propõe o indiciamento? Houve um movimento concreto por parte das Forças Armadas? Houve algum tanque na rua? Houve alguma movimentação de força das Forças Armadas na direção de um golpe de Estado? Não houve. E o relatório não apresenta qualquer evidência concreta nesse sentido.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) concorda com a argumentação de Moro. Para ele, o golpe seria impossível por não ter liderança e apoio das Forças Armadas. Na sua avaliação, o relatório apresenta uma grave falha quando não considera as evidências de que houve omissão por parte do governo federal ao não acionar o batalhão das Forças, com a disponibilidade de 5 mil homens.
— Mesmo assim, a relatora escolheu proteger G.Dias. Ela não protegeu apenas a República do Maranhão, ela protegeu G.Dias. G. Dias não é enquadrado. G. Dias não tem sugestão de indiciamento. Dino deixa a Força Nacional plantada no estacionamento do ministério. G. Dias não aciona ninguém. E mesmo assim, para a relatora e o seu mundo de faz de conta está tudo certo, está tudo bem. O importante é sustentar a narrativa.
O deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), um dos autores do voto em separado elaborado pela oposição, colocou o parecer da relatora sob suspeição, argumentando que o documento desvirtuou o objeto determinado da CPMI e acobertou aqueles que, na sua visão, deveriam ser responsabilizados pela omissão. Ele ainda disse que os indiciamentos foram feitos sem nenhuma prova e sem base legal e por isso apresentou aditamento ao voto em separado, com uma representação contra a relatora, para pedir uma apuração junto ao Ministério Público em face das condutas dela.
Relatório fundamentado
Por outro lado, a senadora Eliziane Gama ressaltou que a tentativa de desqualificar e esvaziar o relatório é uma “perda de tempo” e evidencia, conforme salientou, que a oposição se “perdeu” por não sustentar os argumentos levantados por ela própria.
— Nenhum dos indiciamentos dessa comissão veio sem o devido levantamento de provas materializadas. Seja pelo cruzamento de informações e dados, porque nós quebramos os sigilos bancários, telefônicos, telemáticos, fiscais, RIFs [relatórios de inteligância financeira]. Nós fizemos uma leitura apurada. Os indiciamentos que estão aqui consignados neste relatório têm respaldo com muita fundamentação. E dizer que para além do meu olhar nesse relatório, fiz questão de ler palavra a palavra, ponto a ponto. Ele foi subsidiado, foi construído também por uma equipe do mais alto gabarito, da mais alta qualidade.
A relatora ainda lembrou que, de acordo com o arcabouço legal que se tem hoje, o acionamento do pelotão da Força Nacional para atuar nesse conflito em torno do Palácio do Planalto fica condicionado à autorização do governo do estado. O que não aconteceu naquela data.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) reconheceu o relatório como um conjunto bem amarrado juridicamente, que se baseia nos fatos e resgata a verdade e a realidade contra o que ele descreveu de tese negacionista e alucinógena ao se referir ao voto em separado apresentado pela oposição.
— O relatório de vossa excelência, de modo cabal, sepulta uma tese negacionista, eu diria, mas enfim, nós não toleramos nessa comissão e o vosso relatório não tolera negacionismo. Porque a última vez que teve tolerância da sociedade brasileira sobre negacionismo, cientifico no caso, isso levou a morte de mais de 700 mil compatriotas. Por isso nós não aceitamos o negacionismo do 8 de janeiro e do processo que o antecedeu sobre as teses rocambolescas, quase com toques de alucinógenos de que o nosso governo seria responsável por um autogolpe contra nós mesmos.
Única parlamentar indiciada pela relatora, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) compareceu à reunião desta quarta-feira. Ela contestou seu indiciamento e alegou que a CPMI cometeu uma série de injustiças por não ter lhe dado o direito à defesa.
— Então, tem uma série de coisas… inclusive, o meu sigilo telemático, bancário e fiscal foram quebrados, e esta comissão, que eu vou acionar, na pessoa da sua relatora, esta comissão vazou fotos minhas, privadas, do meu celular para o Brasil 247 e Diário do Centro do Mundo.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) contestou a deputada. Ele explicou que no âmbito de uma CPMI, o direito de defesa se dá após o indiciamento e destacou que o trabalho do colegiado não se encerra agora. Para ele, é preciso cobrar dos órgãos responsáveis que os indiciados sejam penalizados de acordo com sua culpabilidade individualizada, como sugeriu a relatora:
— Em uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito, quando algum indiciado alega que não foi dado o direito de defesa, o que vigora numa CPMI, assim como num inquérito policial, é o in dubio pro societate. O in dubio pro reo é após a deflagração de uma ação penal. Aí, sim, será assegurado o contraditório e a ampla defesa, e tanto o Jair Bolsonaro, indiciado, e todos aqueles que foram indiciados e que não foram ouvidos na CPMI terão oportunidade de fazê-lo. Agora, eu também quero esclarecer que o trabalho desta CPMI não finaliza aqui. Ele só vai estar efetivamente finalizado quando todos esses golpistas forem condenados e pagarem pelos ataques à democracia que foram feitos.
Misoginia
O trabalho da senadora Eliziane foi elogiado por grande parte dos parlamentares. Para eles, ela manteve o propósito da investigação da CPMI, sustentando todos os dados e evidências colocados no relatório. Eles registraram, no entanto, que em muitas situações, o trabalho foi mais desafiador em razão de intervenções que, na visão do senador Fabiano Contarato, muitas vezes eram colocadas de forma misógina e que manifestavam o que ele considera uma característica ainda sexista do Congresso Nacional. Esses parlamentares se solidarizaram com a senadora.
— Porque eu queria ver se fosse um homem que estivesse sentado ali, se esse homem seria hostilizado como a senadora foi por diversas vezes. É porque ainda nós vivemos aqui numa Casa que é sexista; nós vivemos ainda numa Casa que é misógina; nós ainda vivemos numa Casa que é homofóbica, como nós tivemos aqui uma deputada que foi tratada com um pronome totalmente diferenciado. Não foi por mero desleixo, mas foi efetivamente por uma demonstração de um comportamento homofóbico. Nós vivemos um comportamento, principalmente desse povo de direita, que difunde o ódio, que não sabe o que é viver com amor, com empatia — lamentou Contarato.
Segundo o deputado Paulo Magalhães, a senadora, em muitos momento, chegou a ser tripudiada.
— [O relatório] da senadora Eliziane Gama, foi preciso, foi objetivo. E olhe que ela foi tripudiada, vilipendiada, mas superou tudo com o garbo e a coragem de quem tinha o objetivo de servir ao Brasil.
Pedidos de indiciamento
no relatório de Eliziane Gama
- Jair Messias Bolsonaro – ex-presidente da República
- Walter Souza Braga Netto – General do Exército, ex-ministro da Defesa, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro na eleição de 2022
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira – General do Exército, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira – General do Exército, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria de Governo e da Casa Civil
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – General do Exército, ex-ministro da Defesa
- Almir Garnier Santos – Almirante de esquadra, ex-comandante da Marinha
- Marco Antônio Freire Gomes – General do Exército, ex-comandante-geral do Exército
- Mauro Cesar Barbosa Cid – Tenente-coronel do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Luís Marcos dos Reis – Sargento do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Ailton Gonçalves Moraes Barros – Ex-major do Exército
- Antônio Elcio Franco Filho – Coronel do Exército
- Jean Lawand Júnior – Coronel do Exército
- Anderson Gustavo Torres – Ex-ministro da Justiça, ex-secretário de Segurança Pública do DF
- Marília Ferreira de Alencar – Ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça
- Silvinei Vasques – Ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal
- Filipe G. Martins – Ex-assessor-especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República
- Alexandre Carlos de Souza Silva – policial rodoviário federal
- Marcelo de Ávila – policial rodoviário federal
- Maurício Junot – sócio de empresas com contratos com a PRF
- Carla Zambelli – Deputada federal
- Marcelo Costa Câmara – Coronel do Exército, ex-ajudante de ordens da Presidência da República
- Ridauto Lúcio Fernandes – General da reserva do Exército
- Meyer Nigri – empresário e difusor de conteúdos no WhatsApp
DiárioPB com Agência Senado