Comunismo primitivo na cidade Bananeiras
Tendo completado meu curso básico de adaptação ao novo ambiente onde vivo há cerca de dois anos, na região de Bananeiras, passo aos novos estágios: conhecer pessoas e buscar aprendizado de como sobreviver à calamidade da falta de água na terra que emanava leite e mel, ou pelo menos onde fluía o tal precioso líquido em abundância e hoje pena com as atribulações do ressequido e castigado sertão. Crise hídrica e colapso do abastecimento pelo baixo nível de reservas na barragem Canafístula. Faltou chuva e a explosão demográfica levou à superexploração das águas subterrâneas. A retirada descontrolada da água do subsolo leva à seca subterrânea, garantem os técnicos. Críticos do desenvolvimento insustentável da região apontam a forma predatória com que se dá a ocupação urbana, levando ao desmatamento e a escavação de centenas de poços tubulares, sem estudos e controle. É importante morar onde a urbanidade e o bom senso prevaleçam. Já se nota impulsos de cuidado e diligência com o meio ambiente. Vizinho meu resolveu instalar equipamento para instalação de energia solar. Estamos aperfeiçoando nossa matriz energética. Espero que termine o racionamento de sociabilidade e respeito à tribo dos outros.
Voltando ao curso básico de ajustamento ao meio. Passei a estudar sobre a história de Bananeiras e Solânea, cidades cujas áreas urbanas quase são interligadas e só não formam a mesma aglomeração devido a uma rampa, subida de quem vai para Solânea e descida para quem vai para Bananeiras. Por isso não se dá a conurbação entre elas. Essa palavrinha esquisita, soando como coisa indecorosa, significa a ligação total de duas cidades entre si. Solânea foi distrito de Bananeiras. Atualmente, as duas localidades ainda mantém uma relação socioeconômica e cultural de interdependência, com suas singularidades. Precisei ler Rubens Nóbrega e Wolhfagon Costa para começar a entender o aspecto humano e a perspectiva evolutiva das duas urbes. Daí nasceram os folhetos “Cordel para Bananeiras” e “Elegia para Solânea”. Nas duas cidades plantei o grão do projeto “Biblioteca viva”, onde se pode fazer circular livros que você já leu, trocando por outros. A proposta é disponibilizar uma estante com acervo de livros dos mais variados gêneros. Por enquanto, a fome de leitura dos habitantes locais não sugere maiores cuidados. Inapetência literária que não inibe meu trabalho de buscar voluntários para doar livros para o projeto. Recentemente, a casa de artesanatos Anna Sebastiana obsequiou-nos com alguns livros, entre eles “Síntese da história de Bananeiras”, de Antônio Montenegro, opúsculo publicado pela Editora Universitária da UFPB em 1996.
Na obra sobre a terra do cordelista João Melquíades Ferreira, o escritor Antônio Montenegro não cita esse artista que é considerado um dos maiores nomes da primeira geração de cordelistas nordestinos. Fala, entretanto, das origens da cidade e carrega nas tintas ideológicas. Para ele, o fenômeno da luta de classes está expresso desde a colonização da “lagoa das bananeiras”, onde moravam os índios da nação dos tapuias. Os brancos chegaram à terra dos índios e trataram de matar os habitantes. Pertencentes a uma civilização mil anos adiantada, os portugueses colonizadores de Bananeiras mandavam decapitar os índios em nome de Deus e da propriedade privada e roubada. Os primitivos tapuias, caminhando entre o passado e o presente, absorveram as lições do antagonismo de classe do sociólogo alemão Karl Marx e passaram a cozinhar os invasores em almoços antropofágicos precursores da Semana de Arte Moderna de 1922, o que levou os colonizadores a apelar para Nossa Senhora do Livramento. “A cidade surgiu, assim, pelo atrelamento da religião aos interesses da ordem econômica”, explica Antônio Montenegro. Invasão e roubo resultante da guerra e como modelo de evolução e progresso. Como diria Eduardo Galeano, não importa se a guerra é santa, pela liberdade, pela democracia e desenvolvimento. Todas as guerras só têm um objetivo: roubo à mão armada.
Seguindo esse viés ideológico, a reflexão de Antônio Montenegro sobre a história de Bananeiras segue tentando explicar conceitos de Friedrich Engels segundo os quais os índios praticavam uma espécie de comunismo primitivo, “um modo de vida em autêntica harmonia com a natureza, com as comunidades indígenas se caracterizando por um profundo respeito pela Mãe Terra”, conforme o pesquisador francês Michael Lowy. Reconstruindo a história de Bananeiras, Montenegro passa em revista as oposições de ideias políticas entre os fazendeiros e representantes das classes laborais. A mais forte campanha eleitoral se deu em 1963, entre o fazendeiro Mozart Bezerra Cavalcante e o estudante Pedro Pessoa Aguiar. “Estava assim, pela primeira vez na cidade, manifesta a luta de classes na eleição”, diz ele. No muro da Praça da Matriz, o artista popular escreveu a pichação exemplificadora do embate: “Povo pobre pede Pedro Pessoa para prefeito porque possuindo pouco patrimônio poderá pensar pela pobreza. Parede pintada por Pedro Pintor”. O candidato Pedro, “comunista safado”, fracassou nas urnas, mas ainda obteve 815 votos contra 1.400 do “fazendeiro escravocrata” Mozart Bezerra, salvo pelos votos de cabresto.