Com paraibanos no elenco, filme ‘Divino Amor’ estreia nesta quinta
E se, em um futuro bem próximo, a lógica da preservação do amor sob ótica tradicional utilizasse de ferramentas pouco ortodoxas para o conservadorismo, flertando com signos e comportamentos hoje ditos progressistas, “pervertendo-os” aos interesses da religião? É com esta proposta ousada que chega Divino Amor, o novo filme de Gabriel Mascaro (Boi Neon).
O filme estreia nesta quinta-feira (27) nos cinemas brasileiros, mas João Pessoa terá uma sessão especial no Cine Banguê, com a presença do diretor Gabriel Mascaro, que participará de um debate após a exibição. Assim como em Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, atores paraibanos também marcam presença em Divino Amor. Thardelly Lima e Suzy Lopes estão aqui mais uma vez, desta vez, ao lado do também paraibano Tony Silva. É mais uma oportunidade de ver estrelas locais em produções nacionais de repercussão internacional.
Divino Amor é uma espécie de distopia quase documental, já que insere uma lente de aumento em fenômenos que já acontecem em 2019. O ano é 2027 e a festa mais importante do país não é mais o Carnaval. Trata-se da Festa do Amor Supremo, uma espécie de rave gospel cujo principal objetivo é louvar a existência de Deus. Nesse cenário, conhecemos a história de Joana.
A personagem vivida por Dira Paes é uma escrivã de cartório que tem uma fé aparentemente inabalável em sua religiosidade e nos seus dogmas. Obviamente, o matrimônio é um elemento forte nesta equação. “Ela recebe os casais que pretendem entrar com o pedido de divórcio e, usando de sua posição no trabalho, os leva para uma terapia de reconciliação de casais”, explica o diretor Gabriel Mascaro, em entrevista ao CORREIO.
Os métodos, no entanto, não são nada ortodoxos. As terapias se sustentam no lema “quem ama não trai, quem ama divide”, propondo uma espécie de troca de casais. Algo estranho se pensarmos em uma abordagem religiosa, certo?
“Eu tento fazer uma leitura de uma religião extremamente sofisticada e complexa”, defende Mascaro. “É uma religião capaz de se apropriar simbolicamente de coisas que hoje parecem liberais e progressistas. Tem as raves de música eletrônica, essa estética neon pop e até mesmo o erotismo do sexo grupal, dos swings… Todos esses elementos são usados para radicalizar ainda mais a agenda conservadora, para manter a família tradicional cristã unida”, argumenta.
Na visão dele, o filme trata de uma transformação da agenda cultural e política que já está em curso no país, articulada articulada através de um forte movimento conservador. “As religiões neopentecostais têm essa capacidade de absorver signos e elementos da contemporaneidade e resultar em uma religião pop, efetiva para a implantação de seu projeto de poder. O filme apenas imagina como seriam os desdobramentos desse movimento”, completa o diretor.
Divino Amor escolhe contar essa história sob perspectiva pouco usual. Se em Bacurau o foco da história, embora múltiplo, seja centrado em uma pequena cidade que resiste ao violento ataque de estrangeiros que caçam humanos como se fossem gado, aqui o ponto de vista é de Joana, uma mulher com desejo pulsante cuja fé é a força motriz de sua vida. A ideia era evitar transformá-la em um estereótipo de evangélica, muito utilizado no audiovisual, mas sim mostrar uma nova faceta desse arquétipo, mais complexa.
O visual de Divino Amor é um elemento tão importante quanto a narrativa e os diálogos que saem da boca de seus personagens. O diretor de arte Thales Junqueira conta ao CORREIO como foi o processo para criar a ambientação da obra distópica carregada de tons neon, a começar pela caracterização do personagem de Dira.
“Não queríamos, de maneira nenhuma, replicar a evangélica de cabelo amarrado, com saia nas canelas, essa visão que vem desde a década de 1960. Dira está, inclusive, uma gata (risos). Ela tem alguns códigos de recato, como o pudor com os decotes e comprimentos de roupa, mas é uma outra leitura”, defende.
Junqueira e a figurinista Rita Azevedo fizeram uma pesquisa extensa sobre a moda gospel, além de conversar com integrantes de diversas denominações para chegar ao resultado visto na tela. “O Instagram foi um grande aliado nosso”, revela.
O resultado dessa pesquisa se reflete também nos cenários e na ambientação, flertando com a arquitetura brutalista, de grandes proporções, mas com minimalismo e até uma certa higienização do ambiente. Existe até mesmo uma espécie de “drive-thru” religioso, que o diretor de arte quis evitar ao máximo que caísse em uma caricatura barata.
No entanto, o maior ponto de referência para a equipe visual de Divino Amor foi o próprio Gabriel Mascaro. “De todos os diretores que trabalhei, ele é quem tem uma concepção visual muito forte. Sua criação, às vezes, parte de uma imagem, algo que deve vir de sua experiência enquanto artista visual”, confidencia Thales Junqueira.
Jornal Correio