SAÚDE

Cientistas da UFPB identificam seis fármacos com potencial de inativar o novo coronavírus

Grupo de Pesquisa em Imunologia das doenças infecciosas e auto-imunes, do Laboratório de Imunologia das doenças infecciosas (LABIDIC) do Centro de Biotecnologia da UFPB, coordenado pela profa. Tatjana Keesen

Pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) identificaram seis fármacos com potencial de inativar o novo coronavírus (SARS-CoV-2), patógeno que causa a Covid-19. Em um futuro próximo, essas substâncias naturais e sintéticas poderão ser aliadas das vacinas no combate a essa infecção respiratória aguda.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fármaco é a principal substância da formulação de um medicamento, responsável pelo efeito terapêutico. Fármaco também é um composto químico obtido por extração, purificação, síntese ou semissíntese.

“Em apenas 24 meses, reunimos 20 moléculas naturais, isoladas de plantas, e outras 35 sintéticas, preparadas nos laboratórios da UFPB. Dessas, 11% podem ser inibidores enzimáticos do vírus”, explica o Prof. José Maria Barbosa Filho, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Farmacêuticas da UFPB e coordenador do projeto de pesquisa.

Grupo de Pesquisa Phenotypic Screening Platform, do ICB, onde são realizadas as análises de triagens fenotípicas. Foto: Cecília Bastos/USP imagens

Os fármacos foram testados no Laboratório de Triagem Fenotípica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), um dos parceiros no estudo e referência mundial nesse tipo de triagem. A técnica utilizada foi a de triagem fenotípica que, por meio de um sistema robotizado, testa se determinada substância tem efeito ou não sobre células infectadas propositadamente por um patógeno [organismo que pode produzir doença].

Para isso, uma quantidade específica de células do tipo Vero E6, fibroblastos constituintes de tecido conjuntivo e cuja função é formar substância fundamental amorfa [componentes não-celulares da matriz extracelular], foram adicionadas a uma placa de ensaio de cultura celular com centenas de poços. Nesses poços, foram inseridos cada um dos compostos fármacos estudados e o novo coronavírus. No decorrer do experimento, as células, os fármacos e o patógeno entraram em contato e interagiram entre si.

“Depois de 48 horas, anticorpos com moléculas fluorescentes e corantes de DNA foram adicionados às amostras para permitir a visualização do vírus e das células em diferentes cores. Um microscópio automatizado varreu toda a placa, tirando fotos de cada poço a cada 40 minutos. As imagens permitiram quantificar a presença do vírus nas células das amostras. Gráficos estatísticos mostraram a performance de cada amostra. A droga ideal é aquela que consegue destruir o vírus sem afetar as células. Seis apresentaram potencial”, explica Lucio Freitas-Junior, coordenador do laboratório Phenotypic Screening Platform, do ICB-USP.

Uma parte dos resultados da pesquisa foi publicada no mês passado, na revista de alto impacto Cytokine. O artigo é intitulado Is IFN expression by NK cells a hallmark of severe COVID-19? (A expressão de IFN por células NK é uma marca registrada de COVID-19 grave?, em tradução livre).

Segundo a professora do Departamento de Biotecnologia da UFPB Tatjana Keesen, mentora científica da publicação, “os peptídeos [estruturas formadas com base na ligação entre duas ou mais moléculas de aminoácidos] do SARS-CoV-2 induziram alterações nos marcadores citotóxicos e na expressão de IFN nos grupos avaliados de pessoas que tiveram a Covid-19”.

Isso significa que as seis substâncias identificadas pelo estudo da UFPB apresentaram citotoxicidade, que é a capacidade de inibir a proliferação ou danos e lesões do novo coronavírus às células. Também foi observada uma modulação das atividades das células NK por esses peptídeos. Os interferons (IFNs) são glicoproteínas naturais de sinalização celular que pertencem à classe das citocinas, proteínas que regulam a resposta imunológica. Eles participam do controle e da replicação celular e são modificadores da resposta imunológica, com efeitos antiviral, antiproliferativo e imunomodulador, o que pode ser muito positivo no combate à Covid-19.

“Esse tipo de estudo é importante porque visa identificar células e mecanismos responsáveis pela gravidade da doença. Isso futuramente pode ser utilizado no desenvolvimento de medicamentos mais específicos no combate à Covid-19”, afirma Tatjana Keesen.

Pesquisadores de várias universidades do Brasil vêm realizando testes com fármacos e medicamentos que possam ser usados na prevenção e no tratamento da Covid-19. Essa estratégia é conhecida como reposicionamento de fármacos, que é o fato de testar medicamentos já utilizados para outras enfermidades ou descobrir moléculas inéditas para combater a Covid-19.

“Ainda sem um medicamento comprovadamente eficaz no tratamento ou na profilaxia da Covid-19, cientistas ao redor do mundo investem todo seu conhecimento em pesquisas que possam levar à vitória contra o novo coronavírus. Vale lembrar que essa capacidade de resposta tem alicerce nos grupos de pesquisa das instituições de ensino e na formação de recursos humanos por meio dos programas de pós-graduação, formando futuros cientistas”, ressalta o Prof. Barbosa Filho.

Inovação

O primeiro pedido de patente deste projeto de pesquisa foi depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em março deste ano, intitulado “Processos de polipeptídio antigênico de SARS-CoV-2 e sua aplicação”, resultado das pesquisas de pós-doutorado de Bárbara Guimarães Csordas, supervisionadas pela professora Tatjana Keesen.

Nesta invenção, os cientistas da UFPB apresentam um processo caracterizado pela utilização de um polipeptídio antigênico [composto orgânico que produz anticorpos] obtido do próprio coronavírus com potencial para prevenção, diagnóstico e/ou tratamento da Covid-19.

O processo é inovador e foi demonstrado em análises in sílico. O polipeptídio em questão tem epítopos [menor porção de antígeno com potencial de gerar a resposta imune] com potencial imunológico, ao serem administrados em combinação com outras substâncias com potenciais imunógenos.

“Em outras palavras, esse polipeptídio faz parte do coronavírus 2 (SARS-Cov-2), responsável pela síndrome respiratória aguda grave que se espalhou por todo o mundo, causando uma doença inflamatória sistêmica, caracterizada como a pandemia mais mortal do século XXI. Ele poderá ser utilizado na melhoria do diagnóstico da doença ou como estímulo imunológico no intuito de buscar biomarcadores de gravidade ou cura da doença”, destaca o Prof. Barbosa Filho.

Além disso, o polipeptídio da patente tem diversas vantagens sobre quaisquer alternativas nos possíveis diagnósticos, vacinas ou tratamentos, como curto tempo de preparação, baixos custos de produção, fácil armazenamento e administração, perfil de segurança favorável e a condição de ser facilmente sintetizado.

Parte dos resultados dessa patente foi apresentada recentemente, no final de agosto, na  I Bienal do Centro de Ciências da Saúde (CCS), que exibiu 20 inovações, entre elas softwares, aplicativos, manuais, protocolos, materiais didáticos e ativos de propriedade intelectual.

O projeto de pesquisa da UFPB foi um dos 38 selecionados no âmbito do Programa Estratégico Emergencial de Combate a Surtos, Endemias, Epidemias e Pandemias da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), instituído em 2020, no primeiro ano da pandemia de Covid-19. O edital financia quatro bolsas de doutorado e seis bolsas de pós-doutorado, escalonadas em cotas de duas por ano, ao longo dos 36 meses de execução do projeto, e mais R$ 100 mil como recursos de custeio.

Para o professor Barbosa Filho, os bons resultados desta pesquisa estão relacionados ao fato de a equipe ser multidisciplinar. Também colaboram nestes estudos a professora do Departamento de Ciências Farmacêuticas Margareth Diniz; os docentes do Departamento de Química Petronio Athayde Filho, Marcus Scotti e Helivaldo Souza; do Departamento de Biotecnologia Luis Cezar Rodrigues e Edson Folador; do Departamento de Biologia Molecular Hilzeth Pessoa e do Hospital Universitário Lauro Wanderley Luciana Scotti.

Redação DiárioPB

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