TOCA DO LEÃO

Carta de uma amável e sincera leitora

Recebi mensagem de uma leitora do meu livreto “Poemas malditos em prosa, verso, gesto e grito”. A pequena obra recebeu essa comprida denominação do poeta itabaianense André Ricardo Aguiar. No formato folheto, o livrinho comemora meus cinquenta anos de borra-papéis. Editei meu primeiro jornal em 1970, aos quinze anos. Este escrevinhador já cometeu, entre outros delitos literários, quatro livros de poemas, dois de crônicas, um livreto de gracejos, uma história curta sobre o poeta Manoel Xudu, um libelo contra a ditadura da comunicação no Brasil e 38 folhetos de cordel.

Voltando à leitora distante. Ela teve a delicadeza de confessar que não aprecia a poesia complicada e quase impenetrável. Gosta mais da linguagem do cordel, simples e compreensível por qualquer pessoa que saiba ler. “Li seu livro duas vezes, para tentar entender algumas frases ou palavras”, revelou. Não recordo o nome do poeta que assegurava: “apenas duas ou três pessoas me conhecem bem. O resto sabe sobre mim o que eu quero que eles saibam. A não ser que consigam ler nas entrelinhas dos meus poemas”.

Mudou de roupa

liderou o féretro

mudou de casa

O leitor com vocabulário escasso colide logo com o “féretro”. Que tanto pode ser o caixão como o próprio funeral. No último verso, uma concessão à doutrina defensora da ideia de que o Ser subsiste à morte do corpo. Enfim, cada verso, curto ou não, pode ser um olhar lírico sobre a realidade ou um choque anafilático por hipersensibilidade ao jogo de metáforas. Poesia quer ser a comunicação do artista com seu leitor através de códigos que só as pessoas sensíveis e inteligentes conseguem decifrar. Encanto que também pode estar numa poesia dita popular, sem muito refinamento intelectual, mas que transmita beleza com ritmo e inventividade.

Um grande poeta espanhol, Frederico Garcia Lorca, disse sobre essa arte: “A poesia é a união de duas palavras que ninguém poderia supor que se juntariam, e que formam algo como um mistério”. Poesia é você surpreender o leitor com uma ideia nova, unindo palavras e formando frases que sejam impactantes pela forma imaginosa com que você utilizou essas palavras. Enfim, poesia é criatividade em estado puro. Requer muita leitura do autor e leitor, não só de poesia. Precisa ler muito e ter sensibilidade para jogar esse jogo de palavras que encanta.

Poetas carregam a reputação de malucos ou palermas. Ultimamente, cresce o número dessas pessoas produzindo poesia de carregação. A maioria não é para ser levada a sério. Acontece esse fenômeno na literatura de cordel. Conta-se em centenas os cordelistas aqui na Paraíba, mostrando seus trabalhos na internet. O leitor que abrir o folheto de determinados poetas, talvez nunca mais tenha disposição de repetir o ato, diante de qualquer autor. Muitos são os chamados e poucos os escolhidos, disse o Profeta. Raro se ver um mestre dessa arte no papel de indutor de conceitos inovadores.

É como lamenta um amigo poeta: quanto mais se publica livros de poesia, menos se lê. Essa geração tem um estilo de vida baseado na dinâmica da internet. As ideias e imagens já chegam prontas, sem margem para mensagens que mais sugerem do que definem os conteúdos. Nossas condolências ao mundo futuro, porque a poesia será sempre o instrumento de enriquecer a mente. Li não sei onde que a poesia é a oração do ateu. O ateísmo e a secularização estão aumentando. A poesia, essa cai no esquecimento.

Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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