TOCA DO LEÃO

Brincando com barata na quarentena

A pandemia encurralou as pessoas em casa. Cada qual, um jeito de sobreviver isolado. Notícias de gente que inventou um circo no quintal, outros rastejam nas pegadas das pernas agressivas das baratas. Isso metaforicamente. No momento inóspito e hostil da pestilência, ronda inquietante o desânimo e ansiedade. Aí, tem quem apele para o jeito inventivo. A mente perde altitude em meio ao quase pânico. Chega ao rés do chão, onde habitam os seres profissionais em sobrevivência. Um deles, a barata. Tenho horror a esses bichinhos. O terapeuta aconselhou: quer superar a fobia, precisa expor o nome da fera, persistir no enfrentamento hipotético. Daí, idealizei uma rádio, a Rádio Barata. Com outros malucos, produzimos pod cast que circula entre amigos na internet. (www.fabiomozart.blogspot.com)

Reproduzo resumo de duas crônicas de Bento Júnior e Beto Palhano, comparsas na aventura radiofônica invertebrada caseira noturna.

Caríssima barata: eu andei estudando a barata que é marrom, da cor de barata. Toda barata tem cor de barata, pode notar. Pois as baratas têm pernas cursoriais. Para os seus ouvintes analfabetos que não sabem o que é cursorial, o professor Bento Júnior explica que cursorial é o animal que já nasce adaptado pra correr de chinelo. As pernas da barata foram projetadas pra fugir da chinelada, e suas asas são pergaminosas. Como você, Fábio Mozart da barata, não sabe o que significa pergaminosa, eu tenho que lhe dar outra aula. Pergaminosa é a asa da barata que é frágil, uma asinha que só serve pra assustar as mulheres quando a barata tenta levantar voo. As antenas das baratas são filiformes captantes. Sabe o que quer dizer isso? Sabe nada! Filiforme é fino como um fio de cabelo e captante é porque ela capta, recebe mensagens, fareja a energia e as ondas negativas, aí parte para o suicídio. Avança pra cima da pessoa. Toda barata é kamikaze. Sabe o que é Kamikase?  Piloto japonês na segunda guerra que jogava o avião em cima do inimigo. Pois a barata tem esse instinto. Quando ela vê que não tem saída, corre pra cima do agressor. Aí, PÁ, leva uma chinelada e se espatifa pra deixar de ser ousada e suicida. Fica aquela gosma nojenta no chão, sujando o azulejo.

E esse Fábio Mozart é um inseto sinantrópico. Eu ainda não sei o que bexiga é um inseto sinantrópico, mas vou pesquisar e amanhã eu digo. (Bento Júnior)

“Aqui, Beto Palhano. Eu quero falar da abertura dos bares em João Pessoa. Há muita desinformação entre os clientes dos bares e os donos dos botecos. Por exemplo, o amigo Carrá, que é dono do bar do Carrá aqui no Geisel, ele desconfia que esse negócio de flexibilização é pra vender fiado ao cachaceiro caloteiro, aquele que bebe, pendura no prego do fiado e esquece. Flexibilização não é isso não. No bar de Orlando já botaram até uma placa: NESTE BAR ESTÁ VALENDO O DECRETO QUE SÓ VENDO FIADO A CORNO, FELA DA PUTA E INSETO. Vocês da barata têm crédito nesse bar.

Outra coisa que causa problema é sobre esse decreto da Prefeitura determinando abertura de bar que estiver em dia com o alvará de funcionamento, licença sanitária e permissão dos bombeiros. Se for assim, nenhum bar vai abrir, porque aqui no Conjunto Ernesto Geisel os bares só têm alvará de funcionamento da Universidade dos Entorpecentes e Alucinógenos, onde pontificam as cadeiras da cachaça e da maconha, sendo que a cadeira da cachaça é obrigatória e a da maconha é opcional.

Nesse plano de contingenciamento dos estabelecimentos cachacistas, tem o tal do distanciamento social, conforme manda a Vigilância Sanitária. O sujeito embriado não pode chegar perto do comparsa, tem que manter dois metros de distância. Ora, eu nunca bebi, mas sei que bêbado pra ser bêbado fala cuspindo na cara do outro, apertando a mão do interlocutor de minuto em minuto, que o bicho mais social do mundo é o tal do ébrio. Como é que vai fazer distanciamento social em bar? E outra coisa: a lotação do bar deve ser de 50%. O freguês vai chegando, pega a ficha e fica esperando outro bêbado sair pra ocupar o lugar dele. Não pode dar certo! Todo tomador de mel de tubiba é impaciente e o cachacista quando começa a beber, não quer parar. Esse toque de recolher não funciona em bar também não. Abre de 12 horas e fecha de 18 horas. E a saideira? Quando bater 18 horas, inicia-se a saideira, um ritual que, quando começa, não tem fim. Bota mais uma saideira! Sai uma expulsadeira!  Oxe, pode ter certeza de que depois de meia-noite ainda tem gente pedindo saideira.” (Beto Palhano)

Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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