Bolsonaro já tem perfil verificado e milhares de seguidores na rede social de Trump
Brasileiros já são segunda maior nacionalidade no Gettr, que promete “liberdade de expressão”
“O Brasil será um grande mercado para a Gettr”, comemorou Jason Miller, o ex-porta voz do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, CEO da nova rede social. Dois dias depois da estreia, no último dia 4 de julho, dia da Independência americana, a plataforma já estava disponível em português (BR).
Apenas três dias depois do lançamento, o presidente Jair Bolsonaro já tem uma conta verificada com mais de 99 mil seguidores* na plataforma. O perfil parece estar vinculado à conta oficial do presidente no Twitter, com descrição e publicações idênticas, no entanto, a criação da conta no Gettr não foi anunciada pelos canais oficiais.
Um dos primeiros políticos brasileiros a criar conta na plataforma foi o filho do presidente e senador da República, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). “Mais uma rede em defesa da liberdade. Acesse, se inscreva e me siga”, anunciou em suas redes sociais.
No Gettr, ele foi recebido diretamente pelo fundador Jason Miller com mensagem de boas vindas e selo de verificação — a conta do filho mais velho do presidente era uma das poucas brasileiras verificadas. “É uma honra ter o Brasil representado de uma forma tão prominente”, publicou o CEO.
Outros nomes influentes do Bolsonarismo também se inscreveram no Gettr. A Agência Pública identificou pelo menos sete perfis oficiais de aliados ao presidente, entre eles dos deputados federais Carlos Jordy (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP), Caroline de Toni (PSL – SC), Daniel Freitas (PSL-SC), Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), Helio Lopes (PSL-RJ) e Major Vitor Hugo (PSL-GO). Os parlamentares divulgaram a criação de contas no Gettr em seus canais de Telegram.
Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL— que também está verificado pela plataforma — , Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro pelo Republicanos, e a primeira-dama Michelle Bolsonaro, também já têm conta na plataforma. O ministro Fábio Farias, do Ministério das Comunicações, e o assessor especial da Presidência, Filipe Martins, também possuem perfis verificados. Questionada, a assessoria de Eduardo Bolsonaro afirmou que não pode responder se a conta pertence ao parlamentar e afirmou que o responsável entraria em contato, o que não ocorreu; a reportagem não obteve retorno dos outros citados.
“Peguem ela”
A equipe do ex-presidente americano Donald Trump descreve a rede como “uma nova rede social fundada nos princípios da liberdade de expressão, pensamento livre e rejeição à censura política e à ‘cultura do cancelamento’”.
O nome da plataforma, Gettr, é uma referência à expressão “Get Her” (“Peguem ela”, em tradução livre), usada por Trump na campanha contra Hillary Clinton. A rede já reúne cerca de 500 mil usuários. Com menos de uma semana do lançamento, os brasileiros já se tornaram a segunda maior nacionalidade na rede, depois dos estadunidenses.
A reportagem também encontrou um perfil com o nome do ministro Paulo Guedes, da Economia, mas a pasta afirmou que não é oficial.
Em resposta à Pública, a coordenadora do Departamento de Conteúdo e Gestão de Canais da Secretaria de Comunicação da Presidência, Amanda Leiria, afirmou que a Secom não tem conhecimento de se as contas de Jair Bolsonaro, Michelle Bolsonaro e Filipe Martins são reais: “Isso não passa por aqui, a gente não cuida das redes, só do institucional”. Sobre se existe a intenção de que a Secretaria de Comunicação da Presidência crie uma conta no Gettr, respondeu que “não tem nenhuma orientação nesse sentido”.
Já o Gabinete Pessoal do Presidente da República respondeu via telefone que “não saberia dizer [se as contas são oficiais]”. De acordo com Leila Olinto, técnica, essa informação só pode ser acessada por meio de uma “carta enviada para Jair Bolsonaro”.
A reportagem também entrou em contato com o Ministério das Comunicações e com os parlamentares e funcionários citados, mas não obteve resposta até a publicação.
Liberdade de expressão que atrai desinformação
O Gettr funciona com postagens de até 777 caracteres e vídeos de até 3 minutos, além de estética semelhante ao Twitter. Nos seus termos de uso, a plataforma afirma que tem a liberdade de expressão como seu valor central e que não irá “censurar” as opiniões de seus usuários.
O deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) caracterizou a plataforma como “uma rede que foge aos padrões globalistas das big techs como Facebook, YouTube e Twitter” — o termo globalismo é utilizado pela extrema direita para se referir a um suposto plano de dominação das elites ao redor do mundo.
O parlamentar defende que os conservadores estão sendo censurados, e que por isso aderiu à nova rede. “As redes sociais não podem ser utilizadas como controladores sociais e formatadores do pensamento”, respondeu à Agência Pública por meio de sua assessoria.
À Pública, o deputado Paulo Eduardo Martins destacou a defesa da liberdade e seu gosto pela comunicação como justificativa para criar a conta: “Sou um ferrenho defensor das liberdades. Todas elas. E a Gettr promete respeitar a liberdade de expressão”. “Já tem muita gente usando e está legal”, avaliou o parlamentar.
A promessa de não moderação de conteúdo atraiu sites associados à publicação de notícias falsas para o Gettr. O Pleno.News, um dos portais apontados por disseminar desinformação, criou um perfil na plataforma assim que ela foi lançada. O portal evangélico chegou a publicar um texto em seu site ensinando os leitores a também abrirem contas na nova rede social. O site Conexão Política, que já propagou informações falsas sobre a pandemia de coronavírus, também divulgou a rede e criou sua conta.
O Terça Livre e seu fundador, Allan dos Santos, investigado em dois inquéritos no STF que apuram a disseminação de notícias falsas e organização de atos antidemocráticos, também aderiram ao Gettr. Ele, que já foi banido de outras redes sociais por publicar desinformação, tem publicado com frequência no Gettr, interagindo com novos usuários e pedindo melhorias na plataforma para os brasileiros.
A deputada Carla Zambelli, uma das mais ativas no ambiente digital, também está advogando pela adesão de brasileiros à plataforma. Em publicações no Gettr ela comemora a chegada de novos perfis por lá. Em resposta à reportagem, Zambelli afirmou que criou seu perfil para não se “preocupar com perder conteúdo simplesmente porque não agradamos a opinião globalista”. De acordo com a parlamentar, “um post é de direito e responsabilidade de quem publicou”, dessa forma, a retirada de publicações estaria ferindo a Constituição. “Espero que ela [a rede Gettr] mostre às demais big techs e ao mundo em geral o que é liberdade de fato”, concluiu a deputada investigada no inquérito das fake news.
Um desses recém-chegados é o youtuber bolsonarista Renato Barros. Ele usou a nova plataforma para publicar conteúdo que questiona a segurança das vacinas contra covid-19. “Há um mês com efeitos da vacina”, escreveu na legenda de um vídeo que mostra jovem com espasmos musculares. Não há evidências de que a reação gravada se trata de um efeito adverso de vacina. No Twitter, ele publicou o mesmo vídeo, mas na legenda substituiu a palavra “vacina” por “picada”, estratégia para driblar a moderação de conteúdo.
Procurado, Barros afirmou que criou perfil no Gettr “porque quis”. “Vivemos em uma democracia. Posso, dentro da lei, fazer o que eu quiser.” O youtuber não se posicionou sobre as postagens sobre vacinas em suas redes sociais, mas expôs as perguntas feitas respeitosamente pela reportagem nas suas redes sociais afirmando que “a extrema-imprensa atua contra as liberdades”.
A reportagem entrou em contato com as outras páginas citadas, mas não obteve resposta.
Outros usuários também aproveitaram a falta de moderação do Gettr para publicar conteúdos favoráveis ao chamado tratamento precoce – coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada no combate ao coronavírus. “Viva a cloroquina! Me censura agora Twitter miserável”, publicou o perfil “O Patriota”, acompanhado de uma foto do presidente Bolsonaro segurando o medicamento.
Reportagem do Núcleo Jornalismo mostrou que “médicos cloroquiners” – aqueles que recomendam medicamentos sem eficácia comprovada – também aderiram à plataforma.
“Quando você tem uma plataforma que só fomenta uma bolha única, você vai pra periferia do debate público”, explica David Nemer, pesquisador e professor de estudos das mídias na Universidade da Virgínia, Estados Unidos. “O perigo disso é que vira um antro radicalizador no sentido de extremistas”, finaliza.
Alinhamento entre bolsonaristas e trumpistas?
A criação de uma rede social sem “censura” faz parte dos planos de Donald Trump desde que ele começou a ter postagens tarjadas no Twitter, Facebook e Instagram, por publicar notícias falsas. A insistência do ex-presidente em disseminar desinformação – em especial sobre as eleições norte-americanas – culminou no seu banimento das redes sociais tradicionais em janeiro deste ano, após uma publicação sua incitar apoiadores a invadir o Congresso americano.
Depois disso, a primeira tentativa da extrema direita norte-americana de retorno às redes foi através do aplicativo de mensagens Telegram. Assim que o ex-presidente teve as contas banidas, sua base de aliados criou uma série de canais e grupos na plataforma, de forma que o aplicativo se tornou o mais baixado do mundo em janeiro. Na mesma época, bolsonaristas também migraram para o Telegram, conforme mostrou reportagem da Pública.
Em março, Trump anunciou o desejo de retornar às redes com uma plataforma própria. Sua equipe chegou a negociar a compra de uma participação na plataforma Parler, que acabou não vingando. O plano parece se consolidar com a criação do Gettr, sob o comando de seu ex-porta voz, Jason Miller. Nomes importantes do trumpismo, como Steve Bannon e Mike Pompeo já estão por lá.
Para alguns pesquisadores, a rápida adesão de brasileiros levanta suspeitas sobre o alinhamento entre as estratégias dos trumpistas e bolsonaristas nas redes sociais. “Fica a curiosidade, se há mesmo um plano por trás disso”, questiona David Nemer.
Trump anunciou no dia 7 de julho que vai processar Facebook, Twitter e Facebook por terem banido suas contas em redes sociais.
*Já são mais de 300 mil seguidores
Ethel Rudnitzki, Laura Scofield, Agência Pública