FAKE NEWS

Bolsonaristas planejaram nas redes um movimento de boicote a PL das Fake News

É o que indica uma pesquisa exclusiva do NetLab, da UFRJ, sobre como a extrema direita domina o debate nas redes

Laura Scofield, Agência Pública Bolsonaristas e plataformas de redes sociais muitas vezes se vêem em lados opostos nos conflitos digitais. De um lado, a extrema direita diz que tem sido perseguida pela moderação das redes; de outro, grande parte das demandas feitas às plataformas pelas autoridades públicas e imprensa parte justamente do fato de que elas têm permitido fake news e incitação à violência — muitas vezes de autoria dos próprios bolsonaristas. Dessa vez, entretanto, os dois estão do mesmo lado, mesmo que por motivos e de formas diferentes: a união se consagra no boicote ao Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News“A extrema direita de alguma forma está alinhada com as Big Techs por uma desregulamentação”, apontou Rose Marie Santini, doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutora pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Ela é uma das autoras do estudo que a Agência Pública obteve com exclusividade, realizado no Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da UFRJ, que buscou identificar como o PL das Fake News “tem sido alvo de desinformação nas diferentes plataformas”.A pesquisa analisou publicações no Twitter, WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, Youtube, TikTok e sites de desinformação entre 26 de março de 16 de abril deste ano.

O estudo conclui que existem duas grandes narrativas falsas coordenadas pela extrema direita nas redes contra o projeto.A primeira narrativa é que o “PL 2630 favorece os grandes grupos de mídia”. De acordo com o estudo, a extrema direita tem usado as redes para defender que o projeto “visa promover a manutenção do monopólio da grande imprensa como uma suposta retribuição de Lula ao apoio que esses veículos teriam lhe concedido”, o que puniria os produtores de conteúdo menores. Essa narrativa tem sido defendida desde o ano passado, de acordo com a pesquisadora. Já a segunda linha argumentativa é nova e diz que “Lula usa tragédias como pretexto para censura”. Os perfis analisados pelo NetLab dizem que o governo Lula estaria “usando os recentes atentados em escolas como justificativa para implantar o PL 2630 e utilizá-lo contra a oposição como forma de censura”.Algumas publicações nas redes unem as duas narrativas, como uma da deputada Carla Zambelli (PL-SP), citada no estudo. O post, que chegou a mais de 16 mil visualizações no Telegram, critica o governo por supostamente usar os atentados para censurar seus opositores.

Bolsonaristas e plataformas de redes sociais muitas vezes se vêem em lados opostos nos conflitos digitais. De um lado, a extrema direita diz que tem sido perseguida pela moderação das redes; de outro, grande parte das demandas feitas às plataformas pelas autoridades públicas e imprensa parte justamente do fato de que elas têm permitido fake news e incitação à violência — muitas vezes de autoria dos próprios bolsonaristas. Dessa vez, entretanto, os dois estão do mesmo lado, mesmo que por motivos e de formas diferentes: a união se consagra no boicote ao Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News.

“A extrema direita de alguma forma está alinhada com as Big Techs por uma desregulamentação”, apontou Rose Marie Santini, doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutora pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Ela é uma das autoras do estudo que a Agência Pública obteve com exclusividade, realizado no Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da UFRJ, que buscou identificar como o PL das Fake News “tem sido alvo de desinformação nas diferentes plataformas”.

A pesquisa analisou publicações no Twitter, WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, Youtube, TikTok e sites de desinformação entre 26 de março de 16 de abril deste ano. O estudo conclui que existem duas grandes narrativas falsas coordenadas pela extrema direita nas redes contra o projeto.

A primeira narrativa é que o “PL 2630 favorece os grandes grupos de mídia”. De acordo com o estudo, a extrema direita tem usado as redes para defender que o projeto “visa promover a manutenção do monopólio da grande imprensa como uma suposta retribuição de Lula ao apoio que esses veículos teriam lhe concedido”, o que puniria os produtores de conteúdo menores. Essa narrativa tem sido defendida desde o ano passado, de acordo com a pesquisadora.

Já a segunda linha argumentativa é nova e diz que “Lula usa tragédias como pretexto para censura”. Os perfis analisados pelo NetLab dizem que o governo Lula estaria “usando os recentes atentados em escolas como justificativa para implantar o PL 2630 e utilizá-lo contra a oposição como forma de censura”.

Algumas publicações nas redes unem as duas narrativas, como uma da deputada Carla Zambelli (PL-SP), citada no estudo. O post, que chegou a mais de 16 mil visualizações no Telegram, critica o governo por supostamente usar os atentados para censurar seus opositores.

Na avaliação de Rose Marie Santini, entretanto, os argumentos e críticas feitos pela extrema direita nas redes são mentirosos e não fazem sentido.

“Não são críticas consistentes. As [críticas] que eles fazem, como ‘a rede social é o último refúgio da oposição’, ‘esse PL é um instrumento de dominação da esquerda’, ou ‘é uma forma de censura’ são completamente sem cabimento. A gente tem outras críticas, críticas técnicas, mas não essas. Críticas conceituais de uma PL e de uma regulamentação em si. Eles [bolsonaristas] não estão entrando de verdade na discussão, eles estão criticando conceitualmente a ideia de se regulamentar e não o que está se regulamentando”, explicou ela.

O PL 2630 está em tramitação desde maio de 2020, quando foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (CIDADANIA-SE) e relatado por Ângelo Coronel (PSD-BA), então presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News. Depois de muita polêmica, discussão e emendas, o projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet foi aprovado pelo Senado Federal em junho daquele ano e passou a tramitar na Câmara dos Deputados.

Em março de 2022, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) apresentou uma nova versão do texto, mas teve suas expectativas de aprovar o projeto antes das eleições presidenciais frustradas quando a Câmara rejeitou o regime de tramitação com urgência.

Agora, um novo requerimento de urgência será votado, ainda nesta semana. A urgência é usada para acelerar a votação de uma proposta: com ela, o projeto não precisa passar por comissões e pode ser levado diretamente ao plenário. A oposição bolsonarista e as plataformas advogam por uma comissão especial para debater mais profundamente o texto —  e atrasar a votação pela Câmara.

A mobilização nas diferentes redes

O estudo da NetLab desenvolve ainda quais são as principais narrativas defendidas em cada uma das redes sociais e apresenta exemplos de publicações “emblemáticas”.

Para Rose Marie Santini, o Twitter se destaca. “Com essa nova versão Elon Musk, o Twitter está privilegiando bastante esse tipo de narrativa e perfis da extrema direita”, explicou. O bolsonarismo domina a discussão sobre o PL na rede: 70% dos perfis fazem publicações contra a regulamentação das plataformas, dos quais 32% foram identificados com atividade inautêntica automatizada. Nos tuítes, George Soros e a Open Society Foundations são apontados como os principais articuladores da “censura da internet” no Brasil e no mundo.

Campo progressista está em verde e representa 30% dos perfis que falam sobre o PL 2630; extrema direita está em azul, com 70%. Pontos vermelhos têm indícios de atividade automatizada inautêntica.  Crédito: Reprodução/NetLab

Já o WhatsApp “é palco de correntes que alertam para os riscos que a democracia brasileira estaria correndo com a aprovação de um suposto controle da internet”, e no Telegram “notícias positivas do governo Lula são lidas como uma estratégia da esquerda para mascarar um plano de censura em curso”.

No YouTube e no TikTok, “influenciadores bolsonaristas afirmam que o PL 2630 seria uma estratégia para calar e perseguir a oposição a Lula”.

A pesquisa indica ainda que os influenciadores apostam na polarização entre “censura e liberdade” para defender que as plataformas não devem ser reguladas e nem ter responsabilidade sobre o conteúdo nelas publicado.

Para embasar seus argumentos, Santini aponta que são “fundamentais” as publicações de sites de desinformação, como o Jornal da Cidade Online e Revista Oeste, e veículos hiper partidários, como a Jovem Pan e a Gazeta do Povo. “Eles são a fonte paralela da extrema direita”, explica ela. “Não basta negar o que está sendo dito, você tem que colocar alguma coisa no lugar. Esses veículos têm esse papel fundamental de ir alinhando a narrativa e criando uma narrativa comum em todo esse campo da extrema direita ou de oposição do atual governo”, finaliza. O estudo aponta que veículos como esses são muito presentes no Facebook.

Entre os principais alvos das postagens estão o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que seria o “líder de um esquema de dominação esquerdista no Brasil”, além de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, e o ministro da Justiça, Flávio Dino.

PL da censura

A pesquisadora aponta que é possível afirmar que a campanha de boicote contra o PL das Fake News foi “organizada, orquestrada e pensada” pelo bolsonarismo. O boicote “abre espaço pra usos ilícitos, usos de criminosos e usos [das redes] para a manipulação de eleição e da opinião pública”, acrescenta ela.

“Parlamentares da extrema direita como Flávio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Gustavo Gayer e Mário Frias e influenciadores como Leandro Ruschel, Elisa Brom e Kim Paim se destacam como principais porta-vozes da campanha contra o PL 2630 nas diferentes plataformas”, aponta o estudo. O Partido Novo e seus filiados também se destacam por terem proposto um Projeto de Decreto Legislativo para derrubar o projeto de lei.

Outra prova da coordenação bolsonarista apontada pela pesquisa seria o fato de que o site Boletim da Liberdade, que está articulando a campanha contra o projeto, foi criado por Gabriel Menegale Flumignan, que em 2019 recebeu R$ 30.000 do ex-deputado federal Daniel Silveira (PL-RJ) por “prestações de serviços de acompanhamento das redes sociais e do site do ex-deputado”.

O publicitário Gabriel Menegale procurou à Pública para questionar seu nome no estudo. Ele nega que seja bolsonarista, que participe de qualquer coordenação ou seja ‘prova’ dela, bem como que haja qualquer relação entre as atividades que desempenhou ou desempenha. Destacou ainda que prestou serviços para diferentes agentes políticos, de diferentes ideologias e posicionamentos, e que vendeu o Boletim da Liberdade em 27 de janeiro de 2023, antes da cobertura mais ostensiva sobre o mencionado projeto de lei.

O Boletim da Liberdade, “cujo link está sendo intensamente compartilhado nas redes sociais”, de acordo com o estudo, mantém ainda a campanha “PL da censura”. O site da campanha apresenta um placar dos deputados que supostamente seriam contra ou a favor do PL 2630 e incentiva as pessoas a cobrarem posicionamento dos indecisos.

“O site foi compartilhado por páginas bolsonaristas e filiados do Partido Novo, como Herman Guedes e o deputado federal Marcel Van Hattem, no Facebook, além de ter sido divulgado nos aplicativos de mensageria. Em 19 de abril, foi marcado um ‘tuitaço contra a censura’ no qual deputados, influenciadores e usuários comuns contrários ao PL levantaram as tags #CensuraNão e compartilharam o placar”, aponta a pesquisa do NetLab.

Há quatro semanas, o Boletim da Liberdade, que alcançou 10,4 mil visitas no mês de março, foi vendido a Paulo Ganime, ex-deputado federal pelo Partido Novo, e Sara Rodrigues, sua esposa. Os dois também participaram do tuitaço.

“A gente sabe que são os mesmos atores, e realmente [são atores] da extrema direita, que estão tentando manipular e controlar esse debate. Eles têm uma lógica de funcionamento que a gente já conhece, e essa lógica está se repetindo, está seguindo o mesmo padrão”, explicou Rose Marie Santini à reportagem.

Redação DiárioPB

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