MUNDO

Ativistas de mais de 30 países navegam rumo a Gaza com toneladas de ajuda humanitária para romper o cerco

Internacionalista Thiago Ávila representa o Brasil na iniciativa da “Flotilha da Liberdade”, que desafia Israel para levar 5 mil toneladas de alimentos e medicamentos

Thiago Àvila | Palestinos carregam vítima de ataque israelense em Rafah, no sul da Faixa de Gaza (Foto: Reprodução | REUTERS/Mohammed Salem)

Partirá de Istambul na próxima quarta-feira a Flotilha da Liberdade, coalizão de organizações e ativistas de mais de 30 países que há anos realiza expedições marítimas com ajuda humanitária com o objetivo de desafiar o bloqueio ilegal israelense em curso na Faixa de Gaza e entregar ajuda humanitária à população palestina.

“A fome está sendo utilizada por Israel como uma arma de guerra. Já 27 crianças morreram de fome em Gaza e os índices de catástrofe estão entre os mais graves existentes no mundo. Na história recente, a situação que o povo de Gaza enfrenta só é comparável à situação que 2 regiões da Somália passaram em 2011 e em partes do Sudão do Sul em 2017, com a diferença de que em Gaza hoje toda a população está sendo submetida a esse crime contra a humanidade”, afirma Thiago Ávila, representante do Brasil na Flotilha da Liberdade

Israel mantém Gaza sob ocupação militar desde 1967 e sob cerco total desde 2007. Isso significa que qualquer criança de 0 a 17 anos (a maioria da população de Gaza está entre essa faixa etária) nunca viveu um único dia de sua vida em liberdade. As restrições impostas por Israel mesmo antes de outubro de 2023 impediam a entrada de itens essenciais como equipamentos médicos, alimentos (que ultrapassasse um cruel cálculo de calorias para cada pessoa, mas ainda mantendo a insegurança alimentar), materiais escolares e até coisas supérfluas e chocantes como vestidos de noiva, chocolates e óculos de mergulho.

As restrições, que já faziam organizações denunciarem Israel por transformar Gaza na “maior prisão sem teto do mundo” pioraram muito após outubro de 2023, quando o ministro da Defesa, Yoav Gallant, declarou que os palestinos em Gaza ficariam sem água, sem comida, medicamentos ou eletricidade como punição coletiva após os ataques de 7 de outubro. “Nós estamos enfrentando animais humanos e agiremos de acordo”, afirmou o ministro quando fechou totalmente as passagens para ajuda humanitária de Israel, além do cerco marítimo e aéreo e o controle que detém sobre a fronteira de Rafah, que separa o Egito do sul de Gaza.

“Antes da intensificação do cerco, 500 caminhões entravam diariamente em Gaza com ajuda humanitária e já existia insegurança alimentar. Há quase 200 dias Israel restringiu a entrada para 0 a 200 caminhões diários, sendo a média dos últimos dias de 181 caminhões. O que já era um campo de concentração, se tornou um campo de extermínio, com mais de 34 mil pessoas assassinadas, entre elas mais de 14 mil crianças, e com a fome se tornando um risco de morte ainda maior que as bombas de Israel”, afirma o internacionalista Thiago Ávila.

com alcance limitado. Esse método é caro, perigoso (pessoas já morreram esmagadas ou afogadas, quando caem no mar) e serve mais para manobras de relações públicas de governos que querem aparecer como solidários à catástrofe humanitária palestina. Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, grande aliado estratégico de Israel e maior fornecedor de armas, segue enviando bilhões de dólares em ajuda militar incondicional, mas faz entregas aéreas de comida para diminuir o impacto sobre a opinião pública estadunidense em período eleitoral.

“Quando os governos falham, as pessoas comuns precisam dar um passo à frente. A Flotilha da Liberdade denuncia a inação dos governos e organismos internacionais para deter o genocídio. O que essas mais de mil pessoas estão fazendo colocando suas vidas em risco era papel dos governos e organismos multilaterais internacionais. Mas, se os governos não fazem, as pessoas comuns terão que deter o genocídio contra o povo palestino através de seus próprios meios”, aponta Thiago Ávila.

Levar ajuda humanitária aos palestinos em Gaza é urgente, porém a Flotilha da Liberdade afirma que apenas isso não é suficiente. O grupo deseja pôr fim ao bloqueio ilegal e mortal de Israel, bem como ao controle geral de Gaza por parte de Israel. “Permitir que Israel controle o que e quanta ajuda humanitária pode chegar aos palestinianos em Gaza é como deixar a raposa cuidar do galinheiro. E, no entanto, é isso que a comunidade internacional de Estados está a permitir, ao recusar sancionar Israel e desafiar as suas políticas genocidas, a fim de garantir que ajuda suficiente chegue à população civil encurralada, sitiada e bombardeada”, diz o pronunciamento da Flotilha da Liberdade.

Em 26 de janeiro, o Tribunal Internacional de Justiça decidiu que “o Estado de Israel continua obrigado a cumprir integralmente as suas obrigações ao abrigo da Convenção do Genocídio e da referida Ordem, inclusive garantindo a segurança e a proteção dos palestinos na Faixa de Gaza”. Em 28 de março, o TIJ ordenou medidas preliminares adicionais, que incluíam exigir que as forças israelenses parassem de “impedir, através de qualquer ação, a entrega de assistência humanitária urgentemente necessária” aos palestinos em Gaza.

“Nós estamos colocando nossas vidas em risco para cumprir uma decisão da maior instância jurídica mundial, que Israel ignora para manter o genocídio e os governos do mundo não fazem o suficiente para impedir. Quem tem consciência e humanidade não pode silenciar diante da maior violação de direitos humanos de nossa geração e precisa empenhar seus melhores esforços para interromper essa catástrofe”, ressalta Thiago Ávila.

“As medidas preliminares do Tribunal Internacional de Justiça ordenadas contra Israel são muito claras”, comenta Ismail Moola, da Aliança de Solidariedade à Palestina da África do Sul, parte da Coligação da Flotilha da Liberdade. “A decisão do tribunal exige que o mundo inteiro desempenhe o seu papel para impedir o genocídio que se desenrola em Gaza, incluindo o acesso desobstruído a ajuda vital.”

A Flotilha da Liberdade (ou Freedom Flotilla Coalition – FFC) é uma coligação internacional suprapartidária de campanhas que defendem a liberdade e os direitos humanos. As expedições acontecem desde 2010 com o objetivo de quebrar o bloqueio a Gaza, em solidariedade com os gritos dos palestinos por liberdade e igualdade. As missões de ação directa não-violenta apoiam a dignidade e a humanidade dos palestinos mobilizando pessoas comuns que desejam ver transformações nessa situação catastrófica.

Em 2010, durante a expedição da Flotilha da Liberdade, Israel atacou os barcos com helicópteros e lanchas rápidas, assassinou 10 integrantes da ação não-violenta, apreendeu os barcos e toda a mercadoria e prendeu as pessoas, levando-as para Tel Aviv onde ficaram presas até serem deportadas a seus países de origem. Nos anos seguintes a Flotilha seguiu rumo a Gaza, sempre desafiando o cerco ilegal promovido por Israel.

“Tanto em águas internacionais quanto no território marítimo palestino de Gaza, Israel não tem direito de atacar nossa delegação (e cometeu um grave crime de guerra todos os anos que o Estado sionista o fez). Acreditamos que dessa vez será diferente, pois o mundo finalmente percebeu que Israel pratica genocídio e limpeza étnica há mais de 76 anos, que estruturou seu Estado de colonização e apartheid com base em uma ideologia racista e supremacista, que é o sionismo. As mais de 1000 pessoas que hoje se colocam em risco possuem, em sua retaguarda, as milhões que estão indo às ruas há mais de 6 meses em todo o mundo e que não nos abandonarão, assim como não abandonaram o povo de Gaza”, lembra Thiago Ávila.

O internacionalista e comunicador, que causou alvoroço em suas redes sociais ao anunciar sua ida a Gaza com a Flotilha da Liberdade convidou a comunidade brasileira a acompanhar essa jornada de perto a partir de suas redes sociais. Em seu Instagram (@thiagoavilabrasil) que possui 267 mil seguidores, Thiago Ávila afirma que postará tudo sobre essa jornada em forma de diário. Ele compõe a equipe de mídia internacional da Flotilha da Liberdade e teve sua ida custeada pela comunidade árabe no Brasil. Atuando na causa Palestina desde 2006, Thiago esteve no país e já tentou entrar em Gaza tanto pelo norte e oeste (via Israel em 2019) como pelo sul via Rafah (fronteira com o Egito em 2023). Sua atuação dedicada e seu trabalho de comunicação e mobilização tem trazido destaque, sendo Thiago o premiado de 2024 pelo Megafone Ativismo. Pai e curador legal de sua mãe, o internacionalista reitera que a ação, apesar dos riscos, tem um significado maior em seu sentido histórico e que é totalmente incentivado por sua família e esposa, que também é ativista. Em uma postagem antes do embarque, Thiago ressalta sua compreensão sobre a alegria de viver com sua família e a responsabilidade humanitária que todas as pessoas possuem.

“Existem aproximadamente 2 bilhões de crianças no mundo. TODAS são nossa responsabilidade. O fato de termos a sorte de compartilhar um ambiente mais próximo com algumas como parte de nossa família não pode nos isentar dessa missão. Ao contrário, poder vivenciar no cotidiano o quanto é lindo semear uma vida de amor deve servir de impulso para que a gente tenha a coragem e firmeza de lutar para que TODAS as crianças do mundo tenham as mesmas condições de uma vida digna, segura e repleta de amor e alegria”.

Distante da ideia de “pessoas salvadoras” vindo de outros países, a Flotilha da Liberdade se coloca ao lado do povo palestino, ajudando a fazer ecoar suas vozes e inspirados na força extraordinária que possui esse povo que resiste há décadas contra um projeto colonial que comete contra eles um genocídio. “Talvez uma das mensagens mais relevantes da Flotilha é demonstrar, na prática a partir do exemplo, que nossas vidas não valem mais que as vidas de cada palestino que está em Gaza nesse momento. Todas aquelas pessoas devem ter acesso aos mesmos direitos que nós à vida com dignidade, liberdade e felicidade. Enquanto isso não existir para todas as pessoas, não serão plenas para ninguém”, conclui Thiago Ávila.

Com Brasil 247

Redação DiárioPB

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