As canções que fizeram para mim
A pesquisadora e locutora Stela Maris Mariano convoca o velho Fábio Mozart para dar depoimento em um programa sobre a música popular paraibana na Rádio DiarioPB. Confesso que a musicalidade faz parte de minha experiência pessoal, mas como diletantismo. Meu violão de mesa de bar me acompanhou nos nostálgicos tempos da boemia. Mal tocado, meu velho pinho assim mesmo trazia a música popular para o seu lugar por excelência, que é a roda de samba no boteco, a seresta nas redes de sociabilidade que se formavam a partir da arte simples do povo, com suas modinhas e canções de desamor ou aprazimento. Depois de mais de quarenta anos de sonâncias mal cadenciadas, aposentei o instrumento sem jamais ter composto uma melodia.
No início dos anos dois mil, conheci o músico e comunicador Hugo Tavares, já falecido, criador de uma rádio comunitária na cidade de Santa Cruz, no agreste potiguar. Fomos combatentes comuns na luta pela democratização das comunicações através das ondas do rádio. Hugo leu meu livro “Pátria armada” e musicou o poeta que dá título à obra. Depois, mudamos o nome para “Canção do desterro” e foi gravada pela banda Puro Charme, com meus filhos Maximillien Robespierre Mozart e Arnaud Neto. Em 18 de julho de 2010, saiu na coluna social do jornal O Norte: “O poeta Fábio Mozart está todo prosa. Sua música ‘Canção do desterro’ foi classificada na Mostra Sesc de Música Paraibana”. Na verdade, eu não estava prosa somente. Era prosa e verso. E melodia.
Seguindo o inventário de minhas parcerias no mundo da música, meu compadre Orlando Otávio concebeu uma melodia para o poema “Toada de terreiro” e ganhamos o mundo. Em 2016, essa cantiga gravada por Túlio Melo ficou entre as 50 selecionadas para a coletânea Music From Paraíba. O objetivo principal do projeto é a divulgação internacional da música paraibana. A coletânea foi distribuída gratuitamente durante a Womex, considerada uma das maiores feiras de música do mundo, com participação de mais de 90 países. A edição daquele ano aconteceu em Santiago de Compostela, na Espanha. O projeto Music from Paraíba já esteve presente nas edições da feira no País de Gales, Espanha e Hungria. Certa madrugada, eu escutando rádios estrangeiras no aplicativo Radionet, ouvi “Toada de terreiro” na Rádio Nacional de Angola. Aquele som reunindo ritmos de origem africana falava das tradições culturais nordestinas, com ênfase em nossa terra natal, Itabaiana, berço do grande maestro Sivuca, primo de Orlando Otávio, autor da melodia. Tudo a ver e a ouvir.
O universo dos poetas de cordel me levou a conhecer os compositores Bebé de Natércio e Beto Cajá, com os quais fiz parcerias. Bebé me presenteou com a canção “Soneto para a filha recém nascida”, na voz de Berg Costa, com arranjo de Arnaud Neto, multi-instrimentista autor da melodia de meu poema “Recado curto e grosso”, uma espécie de samba hip-hop, tentativa de ampliar os limites do universo do rapper falando de rádio comunitária e resistência popular. Com Arnaud também construímos uma balada tétrica chamada “Evacuação”, convocando para a rebelião geral: “É preciso arrebanhar e trancafiar, deter a camarilha. Antes que o Touro brabo, diante do descalabro dessa quadrilha, encha as medidas do T com seu orgulho ferido, numa explosão, mande tudo pelos ares com uma forte e concentrada evacuação”.
O cantor, compositor e poeta Beto Cajá compõe a música “Abelha de mel”, a partir de poema publicado no meu livro “Laranja romã”. Beto declarou ao meu blog “Toca do Leão”: “Inspirei-me no belo poema de Fábio e é uma honra ser seu parceiro nessa empreitada artística, mesmo porque estou construindo meu repertório baseado em textos de poetas paraibanos, transitando pelo que de melhor existe na poesia atual”.
Outro companheiro de cordel, Rubens do Valle, filho do imortal cantador João Paraibano, inspirou-se em poema do livro “Laranja romã” e registrou sua sensibilidade musical em versos amorosos da laranja cáustica. Por fim, meu compadre maestro Luiz Carlos Otávio definiu seu modo de compreender musicalmente um poema meu dedicado aos músicos e constrói essa parceria, ainda em estágio de prelúdio. É a consagração definitiva desse letrista ordinário e sua obra prosaica.