Alta de preços dos combustíveis é parte do plano de privatização da Petrobras
Matéria de Rosangela Buzanelli Torres,geofísica na Petrobrás há 34 anos e representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobras
Revisitemos a história recente. Alvo da cobiça internacional, especialmente após a descoberta do pré-sal, a Petrobras foi um dos principais focos do golpe de 2016. Tão logo assumiu o poder, Temer nomeou para a presidência da empresa o rei do apagão, Pedro Parente, que imediatamente adotou o PPI (Preço de Paridade de Importação) para o petróleo e seus derivados, além de outras medidas combinadas com o Congresso no sentido de fatiar e entregar as riquezas descobertas e construídas pela estatal.
Por Rosangela Buzanelli Torres*
Mantido o PPI pelo atual governo, aliado à alta no valor do barril do petróleo com o reaquecimento da economia mundial, associado ao descontrole do câmbio, os preços no Brasil, país produtor e exportador de petróleo, dispararam. Baseados na paridade de importação e não nos custos reais, os preços estão instáveis e altíssimos, afetando a economia e fomentando a alta da inflação.
Trata-se de um quadro desesperador para milhões de brasileiros, que não suportam mais o alto custo de vida enquanto os principais atores políticos do país ensaiam, em perfeita harmonia orquestral, a sinfonia da privatização da Petrobras como “solução” para os altíssimos preços dos combustíveis e do gás de cozinha.
Nesse cenário de caos econômico, social, sanitário e ambiental em que Bolsonaro e sua equipe mergulharam o Brasil, com a alta dos combustíveis e da inflação, o presidente declarou à imprensa, na semana passada, que tem “vontade” de privatizar a Petrobras. O seu vice, Hamilton Mourão, afirmou pouco depois que concorda com a venda da companhia “no futuro”. O “gênio” da economia, Paulo Guedes, já havia deixado bem claro seu desejo de negociar a Petrobras e cogita perder o frágil controle governamental da empresa, negociando suas ações ordinárias para “fazer programas sociais”, afinal, 2022 está chegando. E os presidentes da empresa combatem o “controle” de preços com exemplos que demonstram o contrário do que tentam provar.
Com críticas frequentes à alta dos combustíveis, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, declara ser favorável à venda da empresa. Aprovou na semana passada na Câmara uma questionável, econômica e juridicamente, proposta eleitoreira para “abaixar” os preços atacando os impostos estaduais, em sintonia com a “vontade” presidencial. Lembremos que esses impostos estaduais são os mesmos há anos e, portanto, não podem ser responsabilizados pela alta recente. A parte mais importante dos aumentos no preço ao consumidor está vinculada às altas promovidas pela própria Petrobras, o que torna os impostos estaduais meros coadjuvantes. Por essa razão, a retirada dos impostos estaduais será ineficaz contra o aumento dos combustíveis, porque o problema dos preços é estrutural.
Alta de preços para privatizar
Privatizar a Petrobras não é uma tarefa tão fácil. É preciso convencer a opinião pública. Como a Petrobras tem uma relação história muito forte e simbólica com o povo brasileiro, pois por ele foi criada e a ele bem serviu por mais de 60 anos, marcando presença em todo o país com programas socioambientais e culturais amplos e importantíssimos, a empresa sempre foi defendida por essa população. O governo FHC tentou e não conseguiu privatizar a Petrobras em função da reação popular, mas pavimentou, junto ao Congresso, vias legais para sua destruição enquanto estatal.
O mercado sabe que, para privatizar a empresa, é necessário destruir essa relação de décadas. A sinfonia começa com a Lava Jato, apoiada pela grande mídia, que se encarrega de imprimir na estatal o carimbo de “corrupta”. Até hoje quando se fala em corrupção no “Jornal Nacional”, o pano de fundo são dutos enferrujados jorrando dólares, mesmo que os envolvidos não tenham nenhuma relação com petróleo.
A partir de Temer, e mais intensamente com Bolsonaro, a empresa passou a ser gerida como se privada fosse. Ela virou as costas para sua missão original, de servir o Brasil e a sociedade brasileira, e hoje volta-se unicamente a satisfazer o insaciável apetite dos grandes acionistas privados.
Com o PPI, a gestão da empresa esfola a população brasileira, no melhor “estilo Guedes”, e engorda, indecentemente, os dividendos dos seus acionistas que são, importante fato, em sua maioria, fundos de investimentos estrangeiros. O Estado brasileiro, acionista controlador e não majoritário, fica com cerca de um terço desses dividendos.
Com essa política, o discurso da privatização se torna muito mais palatável para a população que não vê retorno de sua estatal e se descobre prejudicada pelos preços dos derivados e gás de cozinha, enquanto fartos dividendos são patrocinados e pagos também às suas custas.
O discurso do presidente da República de que não pode interferir nos preços é só mais uma falácia, pois enquanto acionista controlador, o governo tem maioria no Conselho de Administração, que nomeia a diretoria e define os preços nas refinarias, a partir da diretriz governamental.
A Petrobras foi criada pelo povo brasileiro para descobrir, produzir, refinar e abastecer o Brasil de petróleo e derivados. Superou em sua trajetória gigantescos desafios e cumpriu brilhantemente sua missão. Hoje somos um país produtor e exportador de petróleo. Conquistamos a autossuficiência que nos libertou da dependência das importações, meta de todo país que busca se tornar energeticamente soberano. Produzimos, a custos muito mais baixos que os internacionais, a absoluta maioria dos derivados que consumimos, importando pequena parcela. Portanto, não precisamos pagar preços de importação. É inquestionavelmente possível praticar preços mais justos e acessíveis à população brasileira.
A Petrobras é do povo brasileiro, não do governo de plantão. E enquanto operou como estatal sempre garantiu o abastecimento do país a preços mais justos, cumprindo seu papel de indutora do desenvolvimento nacional e gerando lucro. A solução para os preços dos combustíveis e do gás de cozinha não é privatizar a empresa, ao contrário, é fortalecer a Petrobras enquanto estatal brasileira, gerindo-a como tal, com a missão de servir ao Brasil e aos brasileiros.
*Rosangela Buzanelli Torres é engenheira geóloga formada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e tem mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). É geofísica na Petrobrás há 34 anos e representante d@s trabalhador@s no Conselho de Administração da Petrobras.
Fonte: comiteempresaspublicas.com.br