A viúva do miliciano Adriano da Nóbrega negocia uma delação premiada. O que está em jogo?
Site ‘Metrópoles’ informou que Júlia Lotufo, que foi mulher de ex-PM homenageado por Flávio Bolsonaro, está em tratativas com o MP-RJ. Assassinatos, patrimônio milionário e até informações sobre o caso Marielle podem vir à baila.
A morte do miliciano Adriano da Nóbrega durante troca de tiros com a polícia baiana em fevereiro de 2020 foi envolta em mistério. Ainda que a a Secretaria de Segurança Pública da Bahia tenha informado que a perícia feita após o tiroteio não tenha levantado indícios de que ele tenha sido executado ou vítima de tortura, as explicações nunca detiveram a tese de que tenha havido queima de arquivo. O fato é que o ex-integrante do Bope conhecido como capitão Adriano levou para o túmulo segredos com potencial de levar os negócios das milícias de Rio das Pedras e Muzema e do Escritório do Crime —grupo de pistoleiros que ele comandava— para perto da República, tendo em vista sua proximidade com a família do presidente Jair Bolsonaro, mais especificamente com o filho 01, o senador Flávio (Patriota-RJ). Mas agora parte da história pode ser revelada graças a um acordo de delação premiada negociado por sua viúva junto ao Ministério Público do Rio.
Júlia Lotufo, 29, viveu um relacionamento com Adriano por 10 anos. Atualmente, a jovem, que chegou a ser foragida da Justiça, está em prisão domiciliar. Alvo de um processo por lavagem de dinheiro e organização criminosa, ela é apontada como a herdeira do patrimônio do miliciano morto. A informação de que a viúva está em tratativas com a Justiça para uma eventual colaboração foi divulgada pelo colunista Guilherme Amado, do site Metrópoles. O advogado de Júlia é o ex-senador cassado em 2012 Demóstenes Torres. A reportagem tentou sem sucesso entrar em contato com ele ao longo do dia, e o MP-RJ não quis se pronunciar até o momento. De acordo com a coluna, as negociações de um acordo já estão avançadas, e envolvem dentre outros fatos informações sobre uma série de homicídios cometidos no Rio de Janeiro por organizações criminosas.
O que pode ser revelado a partir da delação? Bruno Manso, pesquisador e autor do livro A República das Milícias – Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro (Editora Todavia, 2020), aponta alguns pontos que podem vir à tona caso se concretize o acordo. “Um possível desdobramento desta delação seria jogar luz na relação de Adriano com Fabrício Queiroz, inclusive o papel do ex-assessor do Flávio [Bolsonaro] na fuga do capitão. Compreender melhor esse ponto ajuda também a entender qual a participação do Adriano no esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual”, afirma. O filho 01 do presidente nega irregularidades, mas o clã agiu como pôde para barrar as apurações do caso, que apura a apropriação indevida pelo senador de salários de servidores, em diversas esferas da Justiça —em meio às investigações, Bolsonaro chegou até a trocar a chefia da Polícia Federal no Rio.
A relação entre Adriano e a família Bolsonaro é de natureza financeira e familiar. Sua mãe e sua ex-mulher eram funcionárias —possivelmente fantasmas— no gabinete de Flávio. Promotores do MP que apuraram o caso do confisco de parte do salário da equipe do filho 01 (prática conhecida como rachadinha) suspeitam que o próprio miliciano tenha se beneficiado do esquema, tendo em vista mensagens trocadas entre ele e sua ex-companheira no aplicativo WhatsaApp nas quais Adriano diz “contar” com o dinheiro repassado por ela a Queiroz, acusado de ser o operador do esquema. Em 2005, Flávio ainda condecorou o miliciano com a Medalha Tiradentes, uma das maiores honrarias concedidas pela Assembleia Legislativa do Rio. Detalhe: à época o capitão Adriano estava cumprindo pena de prisão pelo assassinato de um guardador de carros que o denunciou por extorsão —posteriormente o policial foi inocentado.
Ainda no aspecto financeiro, a colaboração de Júlia “é importante para saber o patrimônio do Adriano, que pelo que temos visto é milionário, com investimentos e muitos bens”, diz Manso. Segundo as investigações, surgiu um espólio que conta com postos de gasolina, carros, propriedades rurais e até cavalos de raça. “É preciso mapear esses valores.” A viúva do miliciano, que teve o sigilo telemático quebrado após a morte do companheiro durante uma investigação do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado do MP-RJ, era responsável por ao menos parte da contabilidade das atividades ilícitas de Adriano. Os proventos eram oriundos de diversas fontes: em maio de 2019 ela registrou entradas de quase 2 milhões de reais, fruto de aluguéis de imóveis irregulares, cobranças de dívidas e consórcios de veículos.