A vida é um jogo!
Portanto ninguém vence na vida ou vence a vida – pois se assim proceder é passível de morte. E morrer não é uma vitória ou derrota diante da vida, mas um acidente hormonal, fisiológico ou estético.
Mas na sociedade de consumo surge uma nova forma de jogar com a vida: matar as paixões de longa duração através do entretenimento.
O entretenimento é um campo de saberes aperfeiçoado pela modernidade que transformou a vida nas sociedades ricas e ‘desenvolvidas’ em um grande espetáculo.
As formas do entretenimento, no mundo pós-moderno, superaram os conflitos teológicos e não admitem mais cristãos sendo entregues aos leões nas arenas romanas; autenticando os elos entre o imperador, o gozo popular e a política.
Com o advento das mídias pós-modernos (digitais e cinéticas), o domínio do gozo popular por parte de instituições que controlam o lúdico se tornou mais sofisticado, pois o alvo é dominar os deuses que regem as paixões cotidianas.
Contemporâneo de Santo Agostinho, o teólogo Macróbio (o corretor quer forjar micróbio) dizia que o homem medieval não saía de casa sem os quatros deuses: Daimon, Tiche, Eros e Ananche (O Demônio, a Sorte, o Amor e a Necessidade): os reitores dos desejos humanos – sobretudo o Daimon que, antes do significado negativo dado pelo Cristianismo , representava a consciência humana, como o Daimon socrático.
Mas a grande desconfiança é que os deuses das Saturnais de Macróbio tão bem retratados no livro do filósofo italiano Giorgio Agamben, A aventura, Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2018, estão sendo vencidos por uma nova forma de criar deuses para reger a vida cotidiana: o entretenimento.
O entretenimento se tornou uma nova arma de controle dos afetos nas sociedades de consumo – uma maneira de matar as paixões d’alma – no melhor estilo cartesiano – e implementar um sistema de rodízio de sensibilidades.
O entretenimento é um modo de produção de mercadorias, mas também de aniquilação das diferenças antropológicas na história dos jogos de cada povo. Por isto, devemos ficar atentos às observações feitas por Byung-Chul Hah, em seu livro, Bom entretenimento: uma desconstrução da história da paixão ocidental, Petrópolis (RJ), Editora Vozes, 2019.
O que Byung-Chul nos alerta, logo no prefácio, é quanto ao problema da ‘gameficação’ da história do Ocidente,em nível de escala industrial, que mata a paixão pelo lúdico (tema caro a Huizinga – em seu livro, Homo Ludens), porque os apaixonados pelo jogo devem buscar o desempenho sem a preocupação com o Pathos – a emoção – ou mesmo com Eros – o amor – no caso a paixão pelo jogo.
“Hoje, porém, mesmo o jogo é submetido à produção. Ele é gamificado”. Essa assertiva de Byung-Chul demonstra que o entretenimento é uma das etapas das sociedade pós-industrial -esta do capital especulativo (que não produz, mas vive de agiotagem entre as nações) e escolhem como forma de evidenciar a ‘paixão’ pelo jogo o desempenho sem nenhuma ligação histórica com a sociedade à qual os cidadão permanece.
O simples entretenimento em espaço público, hoje, é mensurado por olhos mecânicos que procuram performances de alto desempenha para alimentar a mídia em busca de uma daqueles quatro deuses das Saturnais de Macróbio, Ananche – deusa da necessidade – capaz fabricar ídolos rentáveis, cuja exploração não obedece sequer aos limites do corpo humano.
A lição aprendida com a leitura do livro de Byung-Chul é a seguinte: estamos perdendo a capacidade de exercer o hedonismo de forma pura, buscar nos entreter com paixão sem querer transformar a realidade em Gamer Over, um efeito especial de formas de entretenimentos industrializados.