Durante o século XVIII, os filósofos procuraram dominar o mundo através do exercício da Razão.
A ideia de grandes filósofos, como Kant, era que o homem pudesse sair de sua ‘menoridade’ e “Sapere Aude” (pensar por si mesmo). Ou seja, o homem viveria independente dos mitos e dos poderes místicos estabelecidos pelas religiões.
O grande conflito entre Razão e Mito é representado por uma das mais importantes passagens da Literatura Universal – o encontro de Ulisses com as Sereias (divindades) na Odisseia de Homero.
Para resistir ao canto mágico das Sereias, Ulisses teve que usar a Razão, se privar dos sentidos e recusar os prazeres oferecidos pelo canto das divindades.
Neste sentido, já em Homero, Ulisses representa a vitória da Razão sobre o Mito, o que vai demarcar a consciência, o espírito do Mundo Ocidental a partir do século XVIII.
Surgia o conceito de Esclarecimento que passa a nortear a construção de uma sociedade racional, regida pelo cálculo, por um homem unidimensional que perdeu o vínculo com as entidades mitológicas.
Uma das obras importantes para entendermos o estrago causado pelo Esclarecimento nas sociedades ocidentais é o livro Dialética do Esclarecimento – de Adorno e Horkheimer, importantes membros da Escola de Frankfurt – o instituto que fundou os estudos sobre A teoria crítica na Alemanha e foi ‘desmantelado’ pelos nazistas.
A Dialética do Esclarecimento talvez – na minha época de estudante universitário – tenha sido mal interpretada ou, didaticamente, utilizada de forma relaxada em sala de aula, pois não lembro de algum professor de Teoria da Comunicação fazer uma ‘ponte’ entre o conteúdo do livro e a crítica à razão instrumental da sociedade moderna.
Por isto, em época de pandemia da Covid-19, se faz necessário chamar ao debate a ideia de desencantamento do mundo provocada pelo conceito de Esclarecimento e demonstrar como o Coronavírus, midiatizado ou não, tem provocado um reencantamento d através da relação entre os seres humanos e a natureza
O Esclarecimento nos moldes colocados pela Dialética do Esclarecimento nos revela que o homem sábio é um Império dentro de um império, que está acima da natureza, não conhece barreiras para escravizar outros homens.
Os homens esclarecidos são os Reis-filósofos do absolutismo econômico, cujo cetro é o controle-remoto de suas mídias digitais que, através da técnica e da ciência, constrói novas formas de dominação social.
Como afirmam Adorno e Horkheimer. em Dialética do Esclarecimento:
“A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital”.
Nessa assertiva, apreendemos a ideia de que o homem quer se tornar, através de técnicas e tecnologias, o grande Senhor do Universo – mesmo em míseros instantes transcendentais, como os gozos artificiais, para simplesmente subjugar a natureza.
Noutra citação da Dialética do Esclarecimento, encontramos a ratificação da nossa ideia:
“O que os homens querem apreender da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens”.
O Esclarecimento, em sua forma dialética, duvido que a sociedade capitalista tenha encontrado sua síntese, foi usado até agora para humilhar a natureza e seus mitos por uma ciência que, capitaneada pelo espetáculo midiático, gostaria de ter Razão sobre o que julga.
Mas os mitos, com a Covid-19, voltaram a predominar sobre a ciência nos relegando a uma posição na qual o homem herdeiro dos sistemas peritos da modernidade não se sente confortável.
O mundo volta a ser reencantado, porque a arché dos gregos (as estruturas da vida) é devolvida ao povo através de seus mitos, independe do caráter racional das sociedades midiáticas.