A saída do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro do governo Bolsonaro é digna de um exame dos fatos sociais do ponto de vista da Sociologia Clássica e da Sociologia da Mídia.
Do ponto de vista da Sociologia Clássica, podemos pensar no conceito de Fato Social construído por Durkheim que entendia os fatos sociais como as formas de agir e pensar do ser humano na esfera pública. Isto quer dizer: todos nós somos produtores de fatos sociais a partir de nossas relações em sociedade.
O problema é que para Durkheim os atores sociais estão sob constrangimento dos fatos sociais e romper com o peso do Estado só é possível quando o poder de sinestesia das comunidades é capaz de diminuir o peso das instituições. Fora isto, homens e mulheres circulam por entre os muros das leis preconizadas pelo Estado.
Neste sentido, podemos pensar que o embate entre o ex-ministro Moro e o presidente Bolsonaro se dá em três níveis discursivos: 1) o discurso do governo; 2) o discurso do Estado; 3) o discurso sobre a governabilidade ou ingovernabilidade do presidente.
Moro feriu o discurso do governo, provocou uma certa fraseologia sobre a ingovernabilidade do presidente, mas se tornou suspeito em relação ao cumprimento das regras gramaticais (aplicações das leis) do Estado.
O presidente procurou defender o discurso do governo, negar uma possível ingovernabilidade, mas se tornou, também, alvo da discursividade das leis aplicadas pelo Estado.
A verdade, no sentido do filósofo Kant, não está com nenhum deles, pois ela é um instrumento de verificação do desvio das premissas e de seus objetivos na legitimação dos enunciados.
Perante o Estado, são falsos os enunciados de Moro e Bolsonaro, porque eles ferem decoros, estruturas internas de manutenção do poder republicano – ultrapassam os limites das esferas da organização governamental e do regimente democrático.
O Estado só poderá avaliar o grau de veracidade dos fatos a partir de um recurso muito recente na história, o inquérito, um gênero jurídico-investigativo que, segundo Michel Foucault, em seu livro, Vigiar e Punir.
No inquérito a antítese anulam a tese, a síntese se transforma em dialética e as provas não dão margem à compreensão dos fatos.
O processo aberto pelo Estado, do ponto de uma Sociologia Jurídica é inquiridor, mas não inquisidor, pois deve servir , a partir das penas, de instrumento coibidor de infrações da mesma natureza.
Neste sentido, o Estado vai confrontar os discursos a partir do significante – a parte material – sintaxe das falas – que produzem semântica – significados – com relação ao exercício do poder.
Mas para a Sociologia da Mídia não importa o significante dos discursos, porque importante é a espetacularização.
A espetacularização nas sociedades modernas, estudadas pelos filósofos situacionistas como Guy Debord, tem a mesma característica daquilo que Roland Barthes (semiólogo francês) chamou de Grau Zero da Escrito em ensaio memorável.
Espetacularizar é substituir fatos sociais por fatos eivados de cargas semânticas que nos distanciam da realidade tangente. O espetacular promove uma demonstração de eventos cuja sequência distancia os cidadãos de sua complexidade histórica, pois tem como princípio reatualizar o factual a partir de uma dimensão simbólica que não se inscreve no modelo do Estado, mas da linguagem midiática.
O espetáculo midiático quer audiência, quer garantir uma verificação de força na luta entre o Bem e o Mal, porque não interessa os prejuízos causados ao Estado ou a esfera pública, mas a performance dos atores envolvidos.
A Sociologia da Mídia vai se preocupar em verificar o que está por trás da linguagem totalitária usada por Moro, Bolsonaro e os meios de comunicação de massa para ampliar a temporalidade das mensagens produzidas.
Na mídia, Moro e Bolsonaro – alimentando as ideias de poder do senso comum – são duas serpentes que se beijam com as línguas semânticas do poder político.