O jornalismo deve ser pensando como um campo teórico para que o seu exercício não seja negado por falsos empirismos.
A produção científica sobre o jornalismo deve ser exercida com acuidade metodológica para que esta não seja confundida com os campos da recepção, da Comunicação Social, da mídia e da análise de discurso. Mas como perceber as nuanças da produção jornalística em suas relações com outros campos?
No jornalismo habitam várias formas discursivas. Para compreender os significados produzidos pelos discursos se faz necessário verificar as fronteiras epistemológicas (territórios do conhecimento) que dividem os espaços jornalísticos, desde o projeto gráfico até a construção das linguagens verbais e não-verbais.
Nas teorias que definem a difusão, organização e manipulação da informação, o jornalismo é concebido como uma das retóricas da sociedade burguesa, ou seja: fala de um mundo cujo nexo é o dinheiro através da transformação das energias sociais em força de trabalho que produzem bens simbólicos.
Ao estabelecer uma “prosa” concomitante à realidade, o jornalismo procura controlar o fluxo das informações, promovendo modelos retóricos que determinam os discursos produzidos em sociedade e as suas influências no cotidiano. Por isto, a linguagem jornalística tem a pretensão de ser o espelho do mundo.
O jornalismo como espelho que reflete as aparências de forma realista, sem admitir relativismo, contradições. Esta é a pretensão do Jornalismo informativo.
Mas as notícias representam com fidelidade os fatos sociais? Não! As notícias não são espelhos da realidade. Elas são construções socioculturais embaladas por recheios ideológicos.
O primeiro exercício teórico que podemos estabelecer em relação à técnica da notícia, sobretudo no jornalismo impresso, deve ser a verificação entre “o que fala” o jornal e “o que diz a realidade”, com todas as implicações semânticas: arquétipos, manipulação da palavra.
Assim, podemos perguntar: a Teoria do Espelho, no jornalismo, nos ajuda a compreender melhor o mundo contemporâneo?
A partir da concepção de uma teoria do jornalismo aplicada à interpretação dos fatos sociais, poderemos estabelecer alguns critérios de verificação da aplicabilidade das teorias jornalísticas para compreensão do cotidiano urbano.
Nesse sentindo, as teorias jornalísticas utilizadas como ferramentas didático-pedagógicas devem demonstrar as formas como se dá a arquitetura das informações no jornalismo – considerando os níveis de linguagem – mas também evidenciar os moldes de uma cultura jornalística pertinentes a cada sociedade.
No jornalismo, quer seja no exercício profissional, quer seja nas práticas acadêmicas, as teorias são os resultados de um conjunto de procedimentos técnicos, éticos e estéticos: a teoria não isola o mundo subjetivo do mundo objetivo através de um efeito retórico argumentativo.
Como em todo campo de produção de saber, a teoria quer explicar o mundo, mas, antes de tudo, o mundo legitima a teoria. Isso não pode ser diferente no campo jornalístico.
Ao explicar o mundo, as teorias do jornalismo devem ultrapassar o caráter redutor das tautologias teoréticas – reduzindo os conceitos do Mundo da Vida (preocupação com a vida cotidiana) aos referentes do mundo material. Assim, grosso modo, podemos pensar as teorias jornalísticas a partir de três fluxos informacionais: 1) fluxo endógeno; 2) fluxo exógeno; 3) fluxo sintático-lexical.
Nesse novo tempo de contemporaneidades múltiplas, que alguns teóricos denominam de Pós-Modernidade, as teorias jornalísticas precisam ultrapassar os limites dos “emplastros conceituais” usados como recurso para diminuir a distância entre a interpretação da realidade e as formas de construção das realidades sociais.
Tomando como base esses três movimentos que caracterizam a aplicação das teorias do jornalismo para compreensão do Mundo da vida, pode se verificar a aplicabilidade das mesmas. Para tanto, escolhemos três teorias: 1) Teoria do Espelho; 2) Teoria do Gatekeeper; 3) Teoria Organizacional.
No sentindo ensaístico, o desafio é entender qual a aplicabilidade dessas teorias no campo jornalístico para o entendimento das formas sociais determinadas reconhecidas pelos fluxos informacionais capazes de identificar a “apresentação” dos afetos através da linguagem do jornalismo impresso. Assim, surge, na construção da prosa jornalísticas, o problema filos´focia das formas de enunciação dos afetos.
O uso do conceito Afeto nos remete à noção de Vida Afetiva que está explicita na Ética de Espinosa e discutida didaticamente por Marilena Chauí, em seu livro Desejo, paixão e ação na ética de Espinosa.
Por afeto, podemos entender as formas como o nosso corpo e a nossa mente são “afetados” por fatores internos e externos, os quais podem aumentar ou diminuir a nossa potência de agir socialmente.
Uma palavra importante para entender essa potencialidade de nossas ações no cotidiano é “Conatus” – a nossa força, a nossa essência de autopreservação. Assim, o afeto é o dínamo que usamos para impulsionar o viver (o motor de arranque).
O filósofo Baruch Spinoza estabeleceu, em sua ética, três afetos básicos: alegria, tristeza e desejo.
Marilena Chauí, uma das grandes especialistas em Spinoza explica pedagogicamente:
“Quando a alegria é acompanhada de uma causa externa, chama-se amor; quando a tristeza é acompanhada de uma causa externa, chama-se ódio; quando o desejo é alegre, chama-se contentamento; quando triste frustração”.
A importância de Spinosa se dá por ter demonstrado que os afetos ocorrem simultaneamente na mente e no corpo, fugindo a divisão entre corpo e alma proposta por Descartes.
O desafio é pensar como os afetos se apresentam a constituição e inferência das narrativas jornalísticas no cotidiano através da mobilidade dos atores sociais – utilizando como filtro as teorias do Espelho, Gatekeeper e Organizacional aplicadas ao campo jornalístico.
Nesse sentido, vamos pensar como o afeto recrudesce e avança para uma compreensão das ações dos indivíduos em sociedade.
Pensar de que forma a Teoria do Espelho – enquanto uma das formas explicativas do mundo da vida – através da linguagem jornalística – coloca os afetos como dados acabados – metafisicamente prontos.
O mundo que se apresenta como no “espelho midiático” do jornalismo mostra as afecções sofridas pelos indivíduos no cotidiano, mas não explicita as formas pelas quais foram afetados e como afetam a vida cotidiana.
A Teoria do Espelho é uma forma superlativa de pensar o mundo criado pela gramaticalidade jornalística, ou seja, a vida em sociedade interpretada a partir dos referentes jornalísticos.
Poderíamos dizer que o “espelho” representado pela semiótica do jornalismo nos remete ao universo das ideias platônicas ao colocar as formas do dizer o social acima dos movimentos sociais.
A metáfora presente nesta teoria é autoexplicativa. Ela foi a primeira metodologia utilizada na tentativa de compreender por que as notícias são como são, ainda no século XIX. Sua base é ideia de que o jornalismo reflete a realidade. Ou seja, as notícias são do jeito que a conhecemos porque a realidade assim as determina.
Para alguns teóricos, como Nelson Traquina e Felipe Pena, a imprensa funciona como um espelho do real, apresentando um reflexo claro dos acontecimentos do cotidiano. Esta definição da Teoria do Espelho nos ajuda a perceber a primeira questão enfrentada na dúvida sobre a forma como o afeto é construído no campo jornalístico: 1) o afeto é apenas representação da voz dos atores sociais no discurso jornalístico?
Ao procurar responder esta questão, entramos no campo da suspensão filosófica – epoché – na qual não haveria a necessidade de interpretar os afetos na vida cotidiana a partir da criação de conceitos concebidos além das causas e efeitos provocados pelos sujeitos afetivos em sociedade. Nesse sentido, a Teoria do Espelho promove a “naturalização das realidades sócio-históricas.
Ao simplificar as relações sociais, através de uma descrição-argumentativo-persuasiva, a Teoria do Espelho unifica as expressões sensoriais do mundo e nega a capacidade do leitor perceber a essência de cada elemento que constitui as formas afetivas do mundo da vida.
Para Espinosa, toda coisa possui uma essência formal, que exprime sua realidade, e uma essência objetiva que é a ideia dessa realidade.
A transmissão de expressões corporais e falas, que transmite aos leitores, sobretudo do jornalismo impresso, nos leva a compreender – a partir de uma Teoria do Espelho, o afeto como uma forma-geométrico-discursiva que descreve o mundo da vida (campo das intersubjetividades) sendo afetado pelas referências da razão – constituindo um campo informativo no qual os sujeitos afetam a vida cotidiana; ou as afecções sofridas pelos humanos através dos desastres naturais; ou seja, a natureza afetando os homens.
O afeto aparece, sob a ótica da Teoria do Espelho, nas narrativas jornalísticas como o mundo afetado pelas ações humanas, mas cujo resultado é sempre uma injunção entre a ética e a estética. Assim, a “oferta” de um mundo acabado em forma de noticiário não permite entender que as relações afetivas construídas entre sujeitos exprimem a unidade de potência do agir comum entre corpo e mente – um verdadeiro exercício da práxis humana.
Como o afeto é “affectus” – afetar e ser afetado por algo, a Teoria do Espelho provoca uma falsa unidade representativa da vida cotidiana, porque não revela esses “artefatos” que constituem as relações afetivas simbolizadas socialmente pelas formas de conexão entre sujeitos e instituições.
Mas qual é forma de apresentação dos afetos no jornalismo?
Essa questão pode ser discutida em três níveis de linguagem singularizados no jornalismo: 1) o afeto é visto como algo pertencente ao campo da subjetividade – um modo unívoco das emoções; 2) o afeto é discursivamente fabricado por quem tem poder de afetar o mundo através de linguagens técnicas; 3) os afetos são confundidos com paixões e as demandas criadas para alimentá-las.
O gatekeeper – como selecionador dos afetos estaria selecionando os afetos de acordo com a natureza subjetiva – o que no plano da informação referencial se confunde com a interferência estética (empobrecida pela ordem da opinião) promovida por relatos que fogem ao controle da racionalização dos relatos, subjugando a sensibilidade às emoções pessoais.
Ao colocar o afeto no campo das emoções pessoais – no púlpito da astúcia da razão – o gatekeeper edita os afetos como fatos totais, mas passionais, pertencentes à ordem dos fatos-diversos, insólitos, singularizados através da violência e do romantismo acrítico das efemérides comerciais: dia das mães, dia dos namorados, dia da secretária.
Quando pretende discursar sobre afeto, o gatekeeper prefere textos leves, enunciado metafórico capaz de demonstrar a força do páthos em relação ao logos.
O afeto aparece como forma inicial para a adequação das paixões. Ou seja, ao contrário do que pensa Spinoza, as formas inadequadas às razões externas (paixões) passam a determinar às formas adequadas às razões internas (afetos). O jornalismo gera paixões que geram afetos.
O que se problematiza na escolha e distribuição de emoções (confundidas com aisthesis- prazer sensorial) por parte do gatekeeper é o caráter apriorístico, a capacidade de demonstrar – através da informação jornalística que afeto significa “escritura” das ações sociais, do papel exercitado pelos sujeitos na fratura entre o social e a sociedade – tampouco presa à moral estoica ou à liberdade epicurista, mas signo da cidade.
A forma de perceber os afetos no jornalismo, a partir da Teoria Organizacional aplicada ao jornalismo evidencia a divisão cartesiana entre corpo e alma, ou seja: os gêneros jornalísticos, sobretudo a notícia, anunciam e enunciam (no caso da reportagem) as ações humanas ora presas às afecções dos corpos provocadas pela sociedade; ora, o mundo da vida afetando os corpos. Àquele, correspondem os fatos gerados pelos cidadãos que obedecem às injunções éticas (a crise permanente de reconhecimento entre consciência e corpos); esta (em se tratando de afetação do mundo), os desastres “naturais”, como se a natureza e o homo sapiens não fosse partes comuns.
Ao invés de dividir os afetos em fatos sociais singulares que demarcam uma nova temporalidade narrativa, mas a partir de discursos especializados: o afeto psicanalítico, o afeto sociológico ou as antropologias do afeto, é preciso entender a capacidade não reguladora da potência de agir do corpo e da mente – capazes de demonstrar a constituição e permanência de fatos históricos, como as pequenas revoluções promovidas pelas associações (aparentemente desconexas) de diferentes matizes estético-ideológicos na vida cotidiana.
Portanto, através da Teoria Organizacional aplicada ao jornalismo, o desejo, como essência da potência de agir humana se “hierarquiza” e obscurece a compreensão da troca sinestésica entre mente e corpo no amálgama das realidades sociais.
O afeto – como potência de agir dos seres humanos, é desqualificado pela narrativa jornalísticas, apresentado como fato insólito – apresentado como ornato metafórico das relações entre os atores de um tempo socialmente determinado.