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A Banalização da mentira na Sociedade Contemporânea

A mentira constitui um dos principais atributos das relações sociais, instituindo-se como valor eticamente perverso.

A BANALIZAÇÃO DA MENTIRA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SUA INTERNALIZAÇÃO COMO DESTRUTIVIDADE PSÍQUICA

Na contemporaneidade, a mentira constitui um dos principais atributos das relações sociais, instituindo-se como valor eticamente perverso; manifesta-se como ideologia ou é expressa cinicamente como “mentira manifesta”; a lei é a da hipocrisia normatizada entre os sujeitos; revela-se sob as sutilezas enganosas e opressivas da burocracia, em certas justificativas cínicas de segredo ou de sigilo; destrói as manifestações do desejar, sentir, pensar e agir e esvazia o respeito à alteridade dos indivíduos; apresenta-se potencializada pela cumplicidade, mesmo que inconsciente, dos indivíduos, que a reproduzem em vínculos de farsa. O poder de difusão da mentira sustenta-se na banalização da malignidade que atravessa a vida dos homens. A mentira produz e difunde a atribuição de periculosidade a certos grupos e/ou nações – “os terroristas” – para justificar ações bélicas contra povos com fins prioritariamente econômicos.

Os Interesses da Sociedade mudam o Significado dos Episódios Culturais – Há duas gerações, crianças, adolescentes e adultos aguardavam com expectativa e regozijo a chegada do dia 01 de abril – Dia da Mentira – consagrado como tal desde o Século XIII ou XVI (Teixeira, 2002; Universidade Federal de Goiás [UFG], 2004). Era o dia da “brincadeira de enganar o bobo”, que, apesar de certo grau de maledicência, trazia consigo o lúdico e a desculpa pelo constrangimento causado ao outro. Nesse dia era permitido trapacear com os amigos, deixá-los assustados e perplexos com notícias picantes, desastrosas e/ou de bons augúrios a fim de vê-los apavorados e/ou hilariantes e nos deliciarmos com seus desconforto e sofrimento, seus tormentos, suas euforias descabidas, deixando-os totalmente vulnerabilizados e impotentes. Eles eram ingenuamente apanhados de surpresa para serem burlados. Eram trapaças contadas como se verdades fossem, para serem logo desmentidas pelo falseador, que se divertia com a credibilidade dada pelo outro à sua mentira. A maledicência mentirosa contra o outro tinha dia permitido para acontecer porque a mentira era condenada socialmente. O mentiroso contumaz perdia a credibilidade dos demais: a mentira era punida e a verdade premiada. Presentemente, o dia 01 de abril não tem mais esse glamour, antigamente era uma trapaça inofensiva, uma brincadeira às vezes mais violenta e de mau gosto que permanece, apenas, como ingenuidade na memória daqueles que ainda se esforçam e conseguem viver sob o código da verdade. Na atualidade, ao contrário, todos os dias do ano são dias da mentira, as pessoas estão exageradamente familiarizadas com ela a ponto de poucas quererem saber e viver com a verdade. Esconder a verdade tornou-se forma de exercício de poder, de encobrir, negando, uma sociedade atravessada pela exclusão da maioria: tornou-se ideologia. Tão bem camuflado, esse poderio impregnou a mentalidade coletiva a ponto de muito poucos quererem ouvir o testemunho/interpretação do outro igual que se tornou sem credibilidade – nada lhe teria a dizer, assim como, apenas alguns ousam falar o que pensam por que certamente não encontrariam ouvintes. De fato, os indivíduos estão discriminando e podendo falar/ouvir o que fizeram ou presenciaram? É-lhes permitido saber o que está ocorrendo em seu entorno, consigo e com os demais homens? O que está acontecendo nessa parafernália de medo de ser verdadeiro, de ser-si-próprio e de conviver na troca e no conflito criador com a diferença do ser-do-outro, com a sua alteridade? Por que a maioria está equalizada/padronizada sob o signo do esconder-se, do enganar e da evitação do contato com a realidade – o mundo do “tô fora. Esse mentir encoberto ou escancarado, que vem sendo difundido e apreendido de forma banalizada pela sociedade, impede o contato verdadeiro dos indivíduos consigo mesmos e com o mundo que os rodeia e, em especial, proíbe que os homens possam construir um pensamento reflexivo, ao mesmo tempo que priva os indivíduos entre si de vínculos afetivos/desejantes reais – é violência social.

Angela Caniato

Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil

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