TOCA DO LEÃO

ABC de João Theotonio, o poeta gentileza

Agora vou relatar
A vivência de um bardo
Nascido no Rio Tinto
Esse cidadão galhardo
Por noventa e três bons anos
Feliz, carregou o fardo

Assim começa o folheto que escrevi na madrugada logo após saber do falecimento do meu amigo João Teothônio de Carvalho, um operário humilde que acreditava no poder das palavras e na força da arte. Viveu felizes noventa e três anos, que Theo não acreditava muito no ultimato da senhora morte e passou a vida ignorando a decrepitude do corpo devido ao avançar da idade. Esse moço velho deu-se a conhecer pelo velho Leão, que sou eu, no dia 12 de abril de 2014, quando entrevistei o então octogenário João Teothônio de Carvalho na vetusta Rádio Tabajara da Paraíba, em Amplitude Modulada (AM). Conforme registrou meu compadre jornalista e parceiro das aventuras radiofônicas, Dalmo Oliveira, “a entrevista se tornaria antológica pelo simples fato de que Seu Theo, naquela época, era um dos poucos ouvintes da emissora que teria testemunhado o nascimento de uma das rádios mais antigas da América Latina”. Falece, provavelmente, o último ouvinte da querida Tabajara, que assistiu ao nascimento e aos anos de glória desta que foi criada em 25 de janeiro de 1937, sob o nome de Rádio Difusora da Paraíba PRI-4. Seu Theo era uma espécie de ouvinte participante, desde os antigos programas de auditório, nos anos 50, até os debates esportivos e programas jornalísticos da atualidade. Ligava diariamente para os comunicadores, que o telefone é uma “arma branca” terrivelmente usada pelos ouvintes cativos. Porém, no caso do velho Theo, a gentileza e urbanidade marcaram seu viver. Ex-atleta do nosso glorioso Auto Esporte Clube, seu Theo foi interlocutor constante nas mesas de querelas esportivas na Tabajara, com Franco Ferreira, Hilomar Araújo, Lima Souto, Aurélio Nunes, Kalleb Souza e Stefano Wanderley, entre outros.

Seu Theo nos deu o exemplo
Que ser cortês não é patente
Não te faz um ser melhor
Nem mais bondoso ou valente
Apenas se sobressai
De muitos faz diferente

Uma vida dedicada
À arte e urbanidade
João Theotônio nos deixa
Transvazando de saudade
Irrigando a flor da dor
No jardim da amizade

Viver saudade é melhor
Do que caminhar vazio
Diz o poeta Peninha
Enfrentando o mar bravio
Da solidão dos amigos
Nesse viver arredio

Assim termino o folheto em homenagem a este amigo que foi escritor, cordelista, ator amador, operário e radialista, fundador da Rádio da Usina São João, em Santa Rita, e animador cultural por onde passou, sempre digno e gentil. Por isso recebeu o título de Cidadão Honorário de João Pessoa, esse decano da Academia de Cordel do Vale do Paraíba, mestre da boa convivência, fazendo da vida uma festa constante de cortesia, amabilidade e fineza de caráter. As pessoas que vivem muito, às vezes se cansam de esperar a “velha Caetana”. Para esses, a morte e o ônibus são duas coisinhas que contrariam quando atrasam. No caso do Theo, viveria mais cem anos com o mesmo frescor das pessoas joviais. O poeta russo Maiakovski tirou sua própria vida, enfadado com as vicissitudes. Antes, escreveu: “Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz”. O poeta futurista calculou que esse homem viveu na Paraíba. Era o velho Theo, que acaba de se encantar.

Viva Thetônio de Carvalho! Viva a Rádio Tabajara AM da Paraíba!

(Para ouvir a entrevista com João Thetônio: https://www.youtube.com/watch?v=TXvqDCrB-wg )

Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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