Com o fim do auxílio emergencial e do Bolsa Família, Brasil terá nova epidemia da fome
Perto do fim do auxílio emergencial, governo Bolsonaro quer avançar com a migração do Bolsa Família para o Auxílio Brasil na base de ‘chantagem’ e desprotegendo milhões de brasileiros, alerta Rede Brasileira de Renda Básica
A Medida Provisória (MP) do governo Bolsonaro que revoga o programa Bolsa Família e cria o Auxílio Brasil segue mantendo pontos controversos que, na prática, podem desproteger a população mais pobre em um momento ainda crítico da crise sanitária e econômica no Brasil. Nesta quinta-feira (16), o presidente da República assinou decreto para elevar as alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) sobre empresas e pessoas físicas, com o objetivo de custear o “novo Bolsa Família”.
A avaliação do governo é que a medida deve ajudar a financiar a reformulação do programa de transferência de renda que pretende viabilizar ainda neste ano. O valor arrecadado com o IOF, no entanto, garantirá o Auxílio Brasil apenas até o fim de 2021, segundo nota do próprio Ministério da Economia. A equipe condiciona a continuidade da medida à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza o governo a parcelar as dívidas que têm de pagar no ano que vem por determinação da Justiça (os chamados precatórios). A PEC ainda terá de ser analisada pelo Congresso, mas confirma uma tática já usada pela gestão Bolsonaro, de vincular propostas sociais à aprovação de outras medidas de teto e cortes de gastos.
Uma espécie de “chantagem”, como na tentativa do governo de passar com a PEC que desviava recursos da saúde e educação para prorrogar o auxílio emergencial no início deste ano, como lembra a diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Loureiro Carvalho. “Isso nos preocupa muito porque, no caso, somos contra a aprovação da PEC dos Precatórios. E se aprovam a PEC dos Precatórios isso também significa que apenas por um curto espaço de tempo terá recurso para o programa (Auxílio Brasil). Ele não será de longa data como é o programa Bolsa Família na sua história”, observa.
Epidemia do empobrecimento
Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, a diretora também ressalta que o aparente interesse do governo em viabilizar a substituição do Bolsa Família, ainda neste ano, não vem acompanhado da disposição em resolver os “problemas” que os especialistas apontam sobre a MP. As mudanças ganham urgência principalmente por conta do fim do Auxílio Emergencial, já previsto para outubro. De acordo com Paola, o governo deveria garantir a prorrogação do programa para dezembro. E assim dar maior tempo hábil à discussão da MP do Auxílio Brasil.
“Para que que possamos de fato construir um programa de proteção da população brasileira”, explica. “Se hoje a gente enxerga a situação de pobreza aumentando nas nossas cidades, se vemos pessoas pedindo restos de ossos para conseguir ter o que comer, mexendo no lixo, vivendo em situação de rua, certamente a partir de outubro, com o fim do auxílio emergencial e com a migração para um programa que não tem condições de atender a demanda da população, como é o Auxílio Brasil, teremos uma grande epidemia social de fome, miséria e empobrecimento absurdo da nossa população. E isso faz mal para o Brasil inteiro, não só para os mais pobres”, alerta a executiva.
Programa é de renda zero
Nesta semana, Paola, o representante da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, e o vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) estiveram em uma reunião com o ministro da Cidadania, João Roma, em busca de uma resolução desses problemas na medida provisória. A preocupação dos especialistas é que o governo federal estabeleça as mudanças sem discussões com as organizações e o Congresso. O que pode ser um “retrocesso” e um “risco social” por conta de erros na proposta que tornam a execução do Auxílio Brasil “impossível”.
A crítica é que a MP, além de encerrar um programa histórico, que é referência mundial, sem ter garantias orçamentárias, também não tem critérios de ingresso e de valores. A substituição do Bolsa Família ainda estabelece modalidades distintas de benefícios, de acordo com Paola, que alteram a concepção do programa. E, ainda mais grave, conforme mostra, pode excluir de 22 milhões a 52 milhões de brasileiros, que não terão mais o auxílio emergencial. Isso porque o Auxilio Brasil, segundo a União, deve contemplar de 16 a 17 milhões de pessoas – a MP não esclarece esse ponto. Esse total equivale aos 14,6 milhões que já são beneficiários, mais os cerca de 2 milhões que estão hoje na fila de espera do programa.
“Se a gente somar os desligamentos do ano passado com os desligamentos que estão previstos agora ao fim do auxílio emergencial para migrar para o Auxilio Brasil, nós teremos pelo menos 52 milhões de brasileiros com o programa renda zero, que é absolutamente o abandono completo de uma política pública de proteção social”, contesta.
Busca por diálogo
Um canal de diálogo foi aberto com o Ministério da Cidadania, mas Paola ressalta que há muito trabalho a ser feito. Há ao menos 461 emendas à MP do Auxílio Brasil que precisam ser analisadas, aponta. A organização destaca que o governo deve ampliar o programa social, porém, atendendo a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril, a Corte determinou que a União deve pagar uma renda básica a todos aqueles que se enquadrem abaixo da linha de extrema pobreza.
“E a MP do Auxilio Brasil do governo não está cumprindo a determinação do STF que é da regulamentação da lei do Suplicy”, critica Paola. “Sabemos que o governo Bolsonaro não é um governo que tem prezado pela participação popular, pelo envolvimento das organizações, pela escuta da população. Mas insistiremos porque isso nos é caro e certamente é caro à população brasileira neste momento em que estamos vivendo”, completa.
Por Rede Brasil Atual