A importância das leis de incentivo para o mercado cultural
As isenções fiscais estimulam o crescimento de um setor e movimentam a economia.
Os impostos existem para garantir o desenvolvimento social e o financiamento de projetos voltados à população nas áreas de educação, saúde, segurança, cultura e tecnologia, por exemplo. No entanto, em um país com a carga tributária elevada e, ao mesmo tempo, com retorno que se mostra ineficaz para a sociedade, por meio das leis de incentivo fiscal, empresas e cidadãos têm a oportunidade de escolher a destinação que desejam dar aos seus tributos.
As leis de incentivo são baseadas no princípio da renúncia fiscal. O governo abre mão de uma porcentagem de um determinado imposto, para que esse valor seja atribuído a projetos sociais ou culturais. No âmbito federal, os tributos que abrangem as leis de incentivo fiscal são o Imposto de Renda (IR) e a Contribuição Social Sobre o Lucro (CSSL). No âmbito estadual, é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); e no municipal, são o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). As principais leis de isenção existentes no país são: Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), Lei do Audiovisual, Lei de Incentivo ao Esporte, Programa de Ação Cultural, Programa Nacional de Oncologia (Pronon), Programa Nacional de Acessibilidade (Pronas) e Fundos Municipais da Criança e do Idoso.
Lei de Incentivo à Cultura: principal ferramenta de fomento à cultura no país
Criada em 1991, pelo diplomata e filósofo Sérgio Paulo Rouanet, então ministro do Governo Collor, surgiu com a missão de estimular o interesse pela cultura no país, em um período em que produções nacionais eram quase inexistentes. Segundo o Ministério da Cultura (MinC), desde o surgimento da lei foram realizados 53.368 projetos de teatro, dança, circo, cinema, literatura, artes visuais, música design, patrimônio cultural, festas populares e outros segmentos. Em média, são 1.976 projetos por ano, 164 por mês e 5 por dia.
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizado pela primeira vez desde que a lei foi criada, mostrou que a cada R$ 1 investido por patrocinadores em 53.368 projetos culturais por meio da lei, R$ 1,59 retornaram para a sociedade por meio da movimentação financeira que abrange a cadeia produtiva necessária para a montagem de um evento.
O estudo concluiu que o impacto econômico total da lei sobre a economia brasileira foi de R$ 49,8 bilhões. O valor diz respeito à soma do impacto econômico direto (R$ 31,2 bilhões referentes ao valor total dos patrocínios captados historicamente, corrigido pela inflação) e do impacto indireto (R$ 18,5 bilhões, referentes à cadeia produtiva movimentada pelos projetos). O índice de alavancagem (R$ 1,59) é obtido por meio da divisão do impacto total (R$ 49,8 bilhões) pelo impacto direto (R$ 31,2 bilhões).
A FGV desenvolveu uma metodologia específica, que considera as seis áreas culturais contempladas pela Rouanet separadamente: Artes Cênicas, Artes Visuais, Audiovisual, Humanidades (setor editorial), Música e Patrimônio Cultural (museus e memória). Foram considerados os valores captados via Lei Rouanet, corrigidos pela inflação.
Quem pode solicitar
Pessoas físicas que atuam na área cultural, como artistas, produtores e técnicos, e pessoas jurídicas, como autarquias e fundações, que tenham a cultura como foco de atuação. As propostas enviadas ao Ministério da Cultura – agora uma secretaria dentro do Ministério da Cidadania – podem abranger diversos segmentos culturais: espetáculos, musicais, peças de teatro, dança, circo, literatura, artes plásticas e gráficas, gravuras, artesanato, museus, e audiovisual (programas de rádio e TV). Após a aprovação do órgão público, o projeto está apto a captar recursos que serão deduzidos do imposto de renda de pessoas físicas ou empresas, sendo os proponentes os responsáveis por buscar patrocinadores.
“As leis de incentivo são de grande importância para o fomento da cultura no país, pois patrocínios para qualquer ação cultural, como apresentação de música clássica, shows, festivais culturais, musicais, e outros autorizados pelo Ministério da Cultura, são viabilizados na sua maioria pelas leis de incentivo, uma vez que recursos de marketing são hoje 100% dirigidos para ações de marketing e vendas nas empresas”, avalia o CEO da PlayCorp, Fernando Elimelek, com uma experiência de mais de 50 anos no mercado de eventos do país, criador do Reveillon na Avenida Paulista, em São Paulo além de ser responsável pela organização de outros grandes eventos.
Polêmicas X Mudanças
Denúncias envolvendo a Lei Rouanet vieram a público e permearam as redes sociais estimulando a indústria de notícias falsas (as famosas fake news) em torno do tema. As notícias envolviam principalmente artistas famosos que buscavam recursos para suas produções por meio da utilização da lei. Porém, o fato de um artista submeter o projeto não significa que ele conseguirá patrocínio. A primeira polêmica surgiu em 2006, quando o Cirque de Soleil conseguiu captar 9,4 milhões de reais para realizar no Brasil sua turnê Saltimbanco, que vendia ingressos no valor de até 370 reais. No entanto, não havia na lei um veto para isso. Houve até um pedido de abertura de CPI protocolado na Câmara dos Deputados, questionando os critérios utilizados na aprovação de projetos e o apoio a eventos de grande porte.
O atual governo anunciou algumas mudanças na lei. Segundo a Secretaria de Cultura, o objetivo é distribuir melhor os recursos, que em sua maioria estão concentrados nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Além da mudança do nome, que passou a ser Lei de Incentivo à Cultura, foram anunciadas outras medidas: o limite para captação de recursos pela lei vai baixar de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão por projeto. No caso de uma mesma empresa que apresentar várias propostas diferentes poderá receber, quando somados todos os eventos patrocinados, até R$ 10 milhões por ano. Anteriormente, o teto era de R$ 60 milhões. Mas esse teto possui uma série de exceções, principalmente quando se fala em projetos de Planos Anuais, museus e outros.
“A reformulação da lei pode contribuir para acabar com essas polêmicas, hoje, as principais críticas são que a maior parte do dinheiro está concentrada no eixo Rio-São Paulo, em alguns proponentes e que 90% dos investimentos dos patrocinadores estão em projetos que mais parecem ações promocionais”, analisa Felipe da Veiga, sócio-fundador da Incentivarte Consultoria, empresa de consultoria em projetos incentivados. No entanto, Felipe acredita que as mudanças promovidas pela nova normativa não resolvem o problema de distribuição fora do eixo Rio-São Paulo e afetam basicamente o setor de teatro quando estabelece um teto para produções do segmento.
“A mudança necessária para uma melhor distribuição de recursos, só terá eficiência quando impactar o bolso do patrocinador. Se houver 90% de benefício fiscal no Maranhão, e 60 % em São Paulo, por exemplo, pode ser que mais projetos sejam executados no Maranhão. Por isso, eu vejo que para melhorar a distribuição há duas formas: alterando o benefício fiscal por estado ou criando uma legislação que atrele o percentual de benefício fiscal a características do projeto como local e preço de ingressos, por exemplo. Quanto mais democrático e menos comercial maior o benefício fiscal.”, avalia Felipe.
O mecanismo contribui anualmente para que milhares de projetos culturais aconteçam em todas as regiões do país. Mas os pequenos produtores ainda têm dificuldade em acessar os patrocinadores e conseguir investimento. Felipe acredita que se não criar ferramentas que permitam o pequeno produtor, de acessar esse dinheiro, ele sempre estará com quem tem acesso ao patrocinador. “Uma forma de criar acesso é promovendo encontros de patrocinadores e proponentes, outra maneira seria determinar que um percentual do dinheiro disponível, seja investido em projetos com valores abaixo de 200 mil reais”, sugere.
Outro projeto que gerou discussão foi um turnê da cantora Cláudia Leitte. Em 2013, a artista foi autorizada a captar quase R$ 6 milhões para fazer 12 shows nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Na época, a assessoria da cantora, alegou que o objetivo era levar os shows para lugares onde seria inviável ter um evento com o porte dos realizados por ela. A turnê acabou recebendo o apoio de R$ 1 milhão, no lugar dos R$ 6 milhões iniciais. A cantora Maria Bethânia também desistiu do projeto de um blog, com autorização para captação de R$ 1 milhão após receber muitas críticas.
Houve até um pedido de abertura de CPI protocolado na Câmara dos Deputados, questionando os critérios utilizados na aprovação de projetos e o apoio a eventos de grande porte.
Felipe da Veiga no Congresso MICE Brasil 2019
Investimento em cultura beneficia empresas e sociedade
Uma pesquisa produzida pela Union+Webster International, empresa especializada em diagnósticos sobre marcas e hábitos de consumo, aponta que 87% dos brasileiros preferem comprar produtos ou serviços de empresas socialmente responsáveis e que o consumidor brasileiro não se importa de pagar de 5% a 10% a mais pela mercadoria dessas organizações. Neste sentido, as leis de incentivo também podem ser uma oportunidade para empresas reforçarem a imagem corporativa, posicionando-se como empresas socialmente responsáveis. Também é um meio de engajar o público-alvo com base em interesses e afinidades por meio de algo que contribua para a transformação social.
Da Redação com revistaebs.com.br