Delegados ‘elegem’ mulher para comando da PF em guerra por independência

A delegada federal Érika Mialik Marena, que faz parte do grupo que conduz a Operação Lava Jato, obteve o maior número de votos de seus pares entre os candidatos de uma lista tríplice para a escolha do próximo diretor da Polícia Federal.

Se sua nomeação for confirmada pelo presidente interino, Michel Temer, será a primeira vez que uma mulher chega ao cargo e também a primeira vez que a escolha é feita em votação da própria categoria.

Tradicionalmente, o diretor-geral da Polícia Federal é escolhido pelo presidente do país. O atual diretor, Leandro Daiello, está no cargo desde o início de 2011, quando foi nomeado pela presidente afastada, Dilma Rousseff.

Mas neste ano, a Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ADPF) fez uma votação entre seus membros para indicar três nomes de candidatos ao cargo para pressionar o governo a seguir esse novo rito após a saída de Daiello, prevista para ocorrer após a Olimpíada.

A entidade também defende a aprovação da PEC 412 (que aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados) – que prevê a autonomia administrativa da PF -, a adoção da lista tríplice e um mandato de três anos para o diretor.

A decisão por lista tríplice, porém, causou um racha dentro da Polícia Federal. Para sindicalistas, a votação é injusta e antidemocrática por contar com votos apenas dos delegados, que correspondem a cerca de 10% do total de funcionários da categoria.

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, diz que não aceita ou reconhece a indicação de uma lista tríplice. Para o presidente da federação, o diretor-geral deve ser escolhido por competência e experiência em gestão administrativa.

“Aceitar a lista é permitir o apoderamento institucional da Polícia Federal. A Lava Jato é patrimônio da sociedade e não pode ser usada para atender a interesses pessoais do cargo de delegado de polícia”, diz Boudens.

Técnico e isento

Em entrevista à BBC Brasil, a delegada que venceu as eleições afirma que a lista é um modelo técnico e isento para definir o dirigente máximo da Polícia Federal. Érika Marena diz que os delegados que concorrem à diretoria têm vasta experiência na carreira e que a escolha é democrática.

“A técnica já é usada em outras instituições, como no Ministério Público Federal, para o posto de Procurador-Geral da República. A escolha representa uma garantia de proteção da Polícia Federal contra ingerências políticas externas e um atestado de lisura, de que operações importantes – como Lava Jato, Zelotes e Acrônimo – terão continuidade sem interferências indevidas”, diz ela.

O presidente do Sindicato dos Policiais Federais em São Paulo, Alexandre Santana Sally, rebate com o argumento de que o Ministério Público elege sua lista tríplice por meio de uma votação com todos os servidores.

“Se a categoria inteira pudesse escolher e outros servidores pudessem se eleger, seria muito mais democrático. Por que somente o cargo de delegado tem condições de exercer a direção-geral do órgão se todos os outros policiais federais também têm nível superior?”, questiona.

Para Érika Marena, um delegado(a) deve ser o diretor da instituição por ser o responsável por conduzir as investigações.

“Cabe ao delegado, por conta dessa responsabilidade legal, zelar pela melhoria das condições de trabalho de todos os servidores e ouvi-los”, diz ela.

“O mesmo raciocínio se aplica ao voto em lista dos defensores públicos, procuradores e promotores estaduais, como classe dirigente de suas instituições. Não há nada inédito, apenas uma decorrência das responsabilidades do cargo”, afirma Marena.

Racha interno

Para o sindicalista Alexandre Santana Sally, o ideal seria que a escolha do diretor da Polícia Federal fosse feita pelo ministro da Justiça, caso não haja eleições com voto para todos os servidores.

Ele diz que uma possível aceitação da lista tríplice atende a uma “pressão ilegal de uma única categoria” e “vai aumentar ainda mais o racha que existe dentro da Polícia Federal.”

“Não defendemos o Leandro Daiello [atual diretor-geral]. Pelo contrário, temos ressalvas quanto à sua administração. Mas mexer agora na direção, no curso da Lava Jato, uma operação superimportante para a sociedade, não é salutar”, afirma.

Outro argumento em defesa da lista tríplice usado pelos delegados é de que ela aumentaria a autonomia dos policiais.

Érika Marena diz que, sob a atual legislação, a PF está sujeita a interferências externas de forma indireta.

“Uma coisa é a autonomia técnico-jurídica na condução de uma investigação criminal, que não pode sofrer interferências diretas por garantia legal. Mas há formas de interferência indireta, como no corte de recursos, alocação de pessoal etc”, diz Marena.

“Por isso, precisamos buscar a autonomia funcional, administrativa e financeira, que permite à instituição elaborar sua proposta orçamentária, definir a aplicação de seus recursos e a sua gestão de pessoal, como têm feito a Defensoria Pública da União e as agências reguladoras, sem que isso implique em independência do Poder Executivo”, afirma ela.

Os sindicalistas, por outro lado, dizem que a Polícia Federal já é isenta e usam como prova o sucesso da Operação Lava Jato e as investigações que atingem políticos ligados a partidos diferentes.

Partidos políticos de oposição ao governo Temer chegaram a levantar a hipótese de que a Lava Jato poderia ser bloqueada por influência do novo governo.

O presidente interino negou qualquer obstrução na investigação e, na apresentação de seu ministério, disse apoiar a isenção da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Em 19 dias de governo, porém, dois ministros do gabinete apontado por Temer foram afastados após o surgimento de gravações que sugeriam que estes apoiavam a ideia de obstruir investigações da Lava Jato.

Primeira mulher

Em meio à polêmica de formar um time de ministros sem mulheres, o presidente interino Michel Temer pode usar a nomeação de Marena como uma forma de amenizar as críticas. Para a delegada eleita, essa decisão será um avanço.

“A eventual escolha de uma mulher para a direção-geral de uma instituição como a Polícia Federal será uma consequência natural da evolução da sociedade brasileira. A importância dessa escolha é a concretização dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, como a isonomia entre homens e mulheres”, disse à BBC Brasil.

Ela afirmou ainda que a experiência obtida na Lava Jato será um diferencial em sua gestão e poderá estender a experiência para outras investigações.

“A Lava Jato envolve gestão de pessoas, logística, operacional, além da consciência da necessidade de trabalho em equipe. A expertise adquirida com a Operação Lava Jato pode e deve ser expandida para todo o Brasil, não apenas na área de combate à corrupção, mas a todas as áreas de investigação de atribuição da Polícia Federal.”

BBC Brasil

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