Milton Nascimento luta nos palcos e nas redes pelos Guaranis

pitucaA ingênua proposta de, até o carnaval, dar férias ao lado político que essa coluna sentimusical assumiu nos últimos tempos não vingou. Não dá para separar, ficar em cima do muro: mais de dois milênios atrás, Aristóteles já tinha frisado que o homem é por natureza um animal político.

Por sinal, a nova turnê de um grande homem da música brasileira vai ter esse viés. Em 25 de março próximo, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, Milton Nascimento (ao lado, em foto que fiz em 1975) estreia “Semente da Terra”. No repertório do novo show, vão estar muitas canções com cunho político e social, focando a questão do índio, do negro, da identidade latino-americana, entre outros temas que sempre estiveram presentes em sua carreira. Algumas dessas músicas (como “Terceira margem do rio”, “Credo”, “Milagre dos peixes”, “San Vicente”, “Canção do sal”…) já vinham fazendo parte de suas últimas três turnês, “Uma Travessia” (2012), “Linha de Frente” (esta, durante 2014, ele fez ao lado de Criolo) e “Tarde” (2015).

A volta aos palcos acontece após um ano sabático – seu último show de carreira aconteceu em 26 de fevereiro de 2016, na Praia do Forte (Bahia). Nesse período, Milton trocou o Rio pela mais carioca das cidades mineiras, Juiz de Fora, onde está morando desde junho passado, e, ao lado de colaboradores como Augusto Kesrouani, o músico Wilson Lopes, o agente de shows Raphael Pulga e o assessor de imprensa e mídias sociais Danilo Nuha, veio pensando no projeto que agora prepara para rodar o Brasil.

Em 2017, Milton  também comemora os 50 anos de sua consagração. Em 1967, sem que soubesse, três composições suas foram inscritas pelo amigo Agostinho dos Santos no II Festival Internacional da Canção. Apesar de inicialmente refratário à ideia de competir com colegas, Milton enfrentou o desafio e chegou às finais com duas delas, “Travessia” (a parceria com Fernando Brant ficou com o segundo lugar) e “Morro velho” (sétimo), e ainda faturou o prêmio de melhor intéprete – enquanto Agostinho não avançou com “Maria, minha fé”. Naquele mesmo ano, Milton lançaria seu álbum de estreia pelo pequeno selo Codil, com as três músicas do festival e mais sete, incluindo “Outubro”, “Gira, girou” (com Márcio Borges), “Três Pontas” (com Ronaldo Bastos) e “Canção do sal” (esta, lançada um ano antes por Elis Regina).

“Semente da Terra” (ou “Ana Nheyeyru Ivi Yvy Renhoi”, segundo o idioma da Nação Guarani Kaiowá) foi o nome que Milton recebeu de 37 lideranças  espirituais indígenas durante cerimônia da qual participou em 2010, em Campo Grande (MS). Músico que vem trabalhando com Milton nas duas últimas décadas, o guitarrista e violonista Wilson Lopes assina a direção musical e lidera a banda, que é completada por seu irmão, Beto Lopes (violões), mais o baterista Lincoln Cheib, o baixista Alexandre Ito, o saxofonista Widor Santiago e a cantora Bárbara Barcell – até a estreia, dependendo dos próximos ensaios, ainda é possível que um tecladista se junte ao grupo.

Também o responsável pela concepção do show, Danilo Japa Nuha colheu com o cantor respostas para as perguntas que enviei por e-mail.

O que te  levou  a fazer um show com esse perfil mais político?
MiltonNa verdade, foi o momento atual que pediu isso. Pois a situação não só do Brasil, mas também do mundo inteiro precisa de mais esperança. E esse show foi a forma que encontramos para fazer essa mensagem chegar ao maior número possível de pessoas. 
A questão indígena, que sempre te motivou, é um dos temas também no novo show. Coincidentemente, neste carnaval, a Imperatriz Leopoldinense vem com um enredo que também abraça a causa indígena e questiona o agronegócio. Como você analisa essa polêmica?

MiltonEstou mais focado na situação dos índios Guaranis que vivem no Centro-Oeste do Brasil, perto da fronteira com o Paraguai. Lá, sim, o panorama é muito grave. Estive no Mato Grosso do Sul tem poucos dias, e a situação é de emergência total, calamidade. Índices de desenvolvimento humano muito piores do que nos países em guerra. Vou tentar organizar um projeto de ensino musical aos indígenas de Caarapó (MS), e vou precisar de muita ajuda para comprar instrumentos, material didático, pagar professores de música. E essa vai ser nossa forma de resistência, a música. Portanto, quem quiser entrar nesse projeto com a gente pode mandar uma mensagem via meu site oficial, Facebook ou Instagram. E tenho dito o seguinte, vamos precisar de toda força possível para que os Guaranis continuem sonhando dentro de seu território.

PS: tinha faltado o link para o site oficial de Milton, que é esse. E, nesse interím, na rede social, a cineasta Anna Azevedo conta-me que seu novo filme, “Em busca da ‘Terra sem males'”,  selecionado para o próximo Festival de Berlim, também é sobre os Guaranis. Ou um mito da nação indígena, aqui contado por crianças de uma aldeia em Maricá.O filme tem página na grande rede, que compartilho também aqui .

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Sincronia total, após saber da turnê e enviar as perguntas a Milton, recebi em meio a um pacote da Universal Music o CD “Sambas de enredo 2017”. Como sempre, a fórmula gasta se repete, misturando gravações ao vivo na Cidade do Samba de cada escola das 12 do grupo especial e, depois, em estúdio, um mesmo grupo de músicos adiciona os “complementos”, o que resulta num som embolado e padronizado, nivelando por baixo tudo. Mas, este ano, o enredo da Imperatriz Leopoldinense“Xingu, o clamor que vem da floresta”, começa a fazer diferença. E ganha mais relevância ainda após a reação repulsiva, e burra, de representantes do agronegócio, incluindo o senador Ronaldo Caiado, que, em sua página na internet, falou até em criar uma CPI para investigar quem são os financiadores do enredo.
Polêmica que só vem fortalecer o belo acerto da Imperatriz, após vacilo de 2016, quando homenageou a decadente dupla Zezé Di Camargo & Luciano. Agora, cantamos juntos:  “Kararaô, kararaô / O índio luta por sua terra / Da Imperatriz vem o seu grito de guerra / (…)  / O belo monstro rouba as terras dos seus filhos / Devora as matas e seca os rios / Tanta riqueza que a cobiça destruiu”.

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Continuo a CDesovada da semana com mais um destaque no gênero. Correndo por fora, sem apoio de grandes gravadoras, Dorina tem construído uma carreira diferenciada no samba, algo que “Canta sambas de Aldir & ouvir” (independente, Dorina Samba / distribuição Rob Digital) vem reafirmar.
Gravado ao vivo (no Teatro Municipal Ziembinski), o disco reúne composições de Aldir Blanc e parceiros (João Bosco, Moacyr Luz, Moyseis Marques, Luiz Carlos da Vila, Cristóvão Bastos, Wilson das Neves e Clarice Grova). Acompanhada de um trio formado por  Paulão 7 Cordas e Ramon Araújo (violões) e Rodrigo Reis (percussão), Dorina faz belo recorte da obra de Blanc, entre clássicos incontestáveis da produção com João Bosco (“O mestre sala dos mares”, “O bêbado e a equilibrista”, “O ronco da cuíca”/“De frente pro crime”) e sambas menos conhecidos mas não menos geniais como “Flores em vida” (parceria com Luz que é dedicada a Nelson Sargento), “Imperial” (com Wilson das Neves) e “Pretinho básico” (com Moyseis).
O novo trabalho vem se juntar a dois outros tributos também gravados ao vivo pela cantora, “Sambas de Almir” (Guineto, este em 2003) e “Sambas de Luiz” (o Carlos da Vila, em 2013), e a bons discos de estúdio como “Brasileirice” (2010) e “O violão e o samba” (neste, de 2006, muito bem acompanhada pelos violões de Carlinhos 7 Cordas e Cláudio Jorge).

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De volta ao pacote da Universal, pulei por algumas faixas de “A força do interior”, CD ao vivo de Bruno & Barreto, e me senti desobrigado de assistir ao DVD, com sete faixas a mais. O mesmo aconteceu com outro CD/DVD sertanejo ao vivo que beira o intragável, “Fases”, da dupla Maria Cecília & Rodolfo. Então, aproveito a mais uma vez pedir para assessores: incluam-me fora de coisas como essas, ando cada vez mais longe do mainstream.

Seguindo o lote, “The wave”, o solo de Tom Chaplin, cantor do Keane, tampouco me seduziu.  Apesar de perceber méritos, boas referências, não entrei em sua onda. Com tanta quilometragem de pop britânico nas costas, pouco tempo sobra para mais baladas nessa tradição. De Chaplin cantor-compositor, tenho mais interesse por outro, o sul-africano Blondie, que passou pelos Beach Boys (incluindo o clássico álbum “Carl & the Passions”) e pelas turnês dos Rolling Stones nos anos 1990 e 2000. E, assim, por associação, anotei mais um nome para checar se está disponível por streaming e descobri, com 40 anos de atraso, um razoável álbum solo.
Antes desse desvio de rota, troquei o Chaplin “errado” por David Bisbal e “Hijos del mar” é mais do mesmo pop. Insosso e sonífero, nesse caso, cantado em espanhol, mas poderia ser em chinês, javanês, português.

Apesar de a ideia de ouvir 18 faixas me assustar, alguns momentos de “Starboy”, novo de The Weeknd soaram bem. Ao fundo, “Sidewalks”, com seu refrão em falsete grudento (como tantos no soul de Marvin Gaye, por exemplo) e participação de Kendrick Lamar tem o seu apelo. O mesmo vale para a balada seguinte, “Six feet under”, na qual o jovem canadense Abel Makkonen Tesfaye prossegue com seu vocal afetado e alterado em estúdio. É o pop do século XXI, monocórdio, repetitivo, mas que acaba me interessando mais do que o pop preso ao passado de Chaplin e Bisbal.

Ah, teve também o EP promocional de Gabily, que fui pulando faixas. Quatro que viram oito com as quatro versões extras de “Deixa rolar”, faixa de abertura que não consegui deixar rolar por inteiro, remetendo a algo na linha de Anitta, Ludmilla e afins.

Por essa mesma praia vaga um disco independente que chegou um dia antes,  “The best of até agora” (Onda Produtora / Bruk / Estúdio Tamarindo), de Lica Tito. Trata-se de rapper/MC carioca que, após googleada, vejo já ter duas décadas de atuação. Ela também faz cover de Amy Winehouse e já participou de shows de Marcelo D2, Akon, Já Rule, Beastie Boys e Nação Zumbi. Currículo respeitável e título de disco simpático, recheado de pop algo vazio. São dez faixas, com letras assinadas por Lica, algumas só, outras com diferentes parceiros, enquanto a produção musical e quase todo o instrumental ficaram nas mãos de Günter Fetter.

Pop correto e escorreito é o que também apresenta o cantor e compositor carioca Rapha Oliveira em “O mundo lá fora” (Artesanal Digital), e não vou perder muito tempo com isso.

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A parcela de links recebidos  acabou me levando a outros streamings, os tais desvios de rota, discos que tinha perdido de Brian Wilson como o mediano “No pier pressure”, lançado em 2015, com participações de Al Jardine e o já cidado Blondie Chaplin (ao lembrar dele, por ter o mesmo sobrenome do cantor do Keane agora solo, cheguei ao último solo do velho beach boy).  Ou de gente do jazz contemporâneo que nunca me aprofundara, como “Into the silence” (2014),  de Avishai Cohen. Este, o trompetista, que, nesse disco parece Miles junto a Bill Evans,  e não o contrabaixista homônimo, em cujo também impactante “Almah”, este num terreno fronteiriço com o clássico e o folclore,  desemboquei após pesquisa no aplicativo de streaming que mais uso. M enviara mensagem dizendo que iria a show do quarteto de Avishai na Europa, quis conferir e acabei conhecendo dois Avishai.

Também dei segunda chance a  alguns links de rock brasileiro contemporâneo, mas, pelo parágrafo acima, dá para perceber que estes têm menos chance entre meus neurônios.

É o caso de “Xóõ”, disco de coletivo mineiro-carioca, formado por integrantes das bandas Ventre, Lupe de Lupe, SLVDR e Baleia, mas que não mantém o nível de seu chamariz, o clipe (aqui) de “Cansado”. Tem algo de rock progressivo, valorizado no vídeo pela dança do bailarino Pegê Bonfim. São oito faixas, sendo que a de abertura e a de fechamento, trazem a conversa do mineiro da turma, o cantor e compositor Vitor Brauer. Na primeira, “Passado futuro”,  ele usa de  3 minutos e 34 segundos para contar a história dos humanos até essa nada animadora segunda década do XXI; enquanto “Créditos” resvala no auto-elogio, alonga-se por 5 minutos e 34 segundos que jogam contra uma boa ideia.

Teve ainda  Water and Man, banda carioca que soa/parece em seu vídeo como anglo-americana. Melhor se saiu Napalma, com sua mistura de eletrônica e percussão afro-brasileira. É grupo/projeto que começou em Vitória (ES), em 2004, a partir do encontro de músicos capixabas com um cantor moçambicano e, desde então, tem rodado o mundo com receita gasta mas eficiente para levantar pistas de dança. O Napalma (incluindo os brasileiros Rafael Gonçalves e Andre Nassur, o moçambicano Filipe Soeiro e o sul-africano Teba Shumba) lançou uma campanha de financiamento para viabilizar seu novo disco, “A big funky family”, que, segundo sua página, reúne “composições, gravações e produções com uma família de artistas de África do Sul, Alemanha, Austrália, Brasil, Egito, França, Moçambique, Portugal e Togo”.

Créditos imagens:  Foto de Milton Nascimento por ACM e reproduções capas de discos.

G1

Redação DiárioPB

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